E, deixando-os, saiu da cidade para Betânia e ali passou a noite. E, de manhã, voltando para a cidade, teve fome. E, avistando uma figueira perto do caminho, dirigiu-se a ela e não achou nela senão folhas. E disse-lhe: Nunca mais nasça fruto de ti. E a figueira secou imediatamente. E os discípulos, vendo isso, maravilharam-se, dizendo: Como secou imediatamente a figueira? (Mateus, 21: 17 a 20)
E, no dia seguinte, quando saíram de Betânia, teve fome. Vendo de longe uma figueira que tinha folhas, foi ver se nela acharia alguma coisa; e, chegando a ela, não achou senão folhas, porque não era tempo de figos. E Jesus, falando, disse à figueira: Nunca mais coma alguém fruto de ti. E os seus discípulos ouviram isso. (Marcos, 11: 12 a 14)
Muitos estudiosos do Evangelho têm tido dificuldade em interpretar a passagem acima. Alguns, e até mesmo entre os espíritas, têm dito que este fato não pode ter-se dado, que não passa de uma interpolação nos textos do Evangelho, já que estes sofreram ao longo do tempo muitas modificações por parte de religiosos inescrupulosos.
Tudo isto porque, segundo estes, a ação de amaldiçoar a figueira não seria uma atitude normal de um espírito como o de Jesus, o Manso por excelência.
Não deixam estes de ter uma certa razão, realmente Jesus jamais amaldiçoaria qualquer obra da Criação divina, ainda mais que segundo o evangelista, não era tempo de figos.
Porém, pensamos que há mais o que refletir sobre o assunto.
Segundo anotação do Espírito Humberto de Campos através da mediunidade do nosso querido Chico Xavier, a partir de um encontro com o Espírito do apóstolo Pedro na espiritualidade, todas as obras a que se referem os evangelistas são profundamente verdadeiras.[1]
Deste modo, segundo o testemunho do próprio apóstolo, todas as coisas se deram conforme anotação dos evangelistas; assim, se aconteceu e foi relatado, devemos analisar. Pois, se a Doutrina Espírita, segundo anotação do próprio Kardec, é a terceira revelação da Lei de Deus para nós os ocidentais, o advento do Cristo é a segunda; portanto, se é fato que o “Espírito de Verdade” auxiliou Kardec na codificação, o mesmo se deu na redação dos Evangelhos e se alguma passagem foi preservada é que deveríamos estudá-la buscando através dos ensinamentos nela contidos a nossa edificação e promoção espiritual.
Assim, se temos dificuldade de compreender a mensagem que Jesus nos deixou em alguma de suas ações, não devemos dizer que ela não aconteceu ou que a tradução está incorreta, e sim, que ainda não conseguimos alcançar o pensamento daquele que é o Mestre maior entre todos os mestres.
E isso não é nenhum demérito para nós. Não devemos esquecer que Jesus é, segundo os Espíritos superiores, o construtor e o mentor espiritual de nosso orbe, o que vale dizer que há bilhões de anos quando da formação de nosso planeta, Ele já era o Cristo, quando nós ainda, provavelmente, fazíamos nossa evolução nos reinos inferiores da criação. Jesus tem uma mente que está a “anos luz” à nossa frente, sua psicologia ainda é por nós inabordável, deste modo, tenhamos humildade, muito ainda temos a aprender com seus atos, e apesar do seu esforço em adequar seus ensinamentos, à medida que vamos evoluindo em espírito e moral mais iremos absorvendo suas significativas lições.
Para finalizarmos essas primeiras considerações voltamos à mediunidade de Francisco Cândido Xavier; é Emmanuel quem nos alerta sobre as traduções do Evangelho:
[é] (...) razoável estimarmos, em todas as circunstâncias, os esforços sinceros, seja qual for o meio onde se desdobram, apenas consideramos que, em todas as traduções dos ensinamentos do Mestre Divino, se torna imprescindível separar da letra o espírito.
(…) mas importa observar que os Evangelhos são roteiros das almas, e é com a visão espiritual que devem ser lidos; pois, constituindo a cátedra de Jesus, o discípulo que deles se aproximar com a intenção sincera de aprender encontra, sob todos os símbolos da letra, a palavra persuasiva e doce, simples e enérgica da inspiração do seu Mestre imortal.[2]
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A figueira é o símbolo da paz desejável para o povo e a terra de Israel. É, junto com a oliveira, a videira e o espinheiro a representação do povo de Israel que segundo eles próprios àquele tempo, era o povo eleito de Deus.
Hoje à luz da interpretação espírita dos textos bíblicos sabemos que essa eleição não é realizada no sentido Deus – espírito, e sim em sentido inverso, ou seja, espírito – Deus. Isto quer dizer que não é Deus que elege, mas o espírito que através do seu ajustamento às Leis de Deus se elege ou se promove à harmonia com o Criador.
Deste modo, a figueira representa os espíritos que já aderiram à proposta do Criador de espiritualização. São aqueles que já fazem a sua evolução de forma consciente e sincera.
Já nos primeiros capítulos do livro Gênesis, quando da perda do paraíso por parte de Adão e Eva, encontramos essa simbologia que apóia o nosso raciocínio.
No versículo 7 do capítulo 3 deste livro encontramos o seguinte apontamento:
Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.
O fato é que eles sempre estiveram nus, porém só depois da desobediência isso os incomodava, por quê? Porque a partir da conscientização do erro (pecado) é que vem o chamamento da consciência. Eles tinham rompido o pacto com o Criador (afastamento da Lei), tinham comido da árvore proibida (árvore da ciência do bem e do mal) e assim entraram em pecado, e a consciência do erro os levou a se envergonharem de seu estado. Como foi que procuraram cobrir o pecado? Com folhas de figueira.
Como sabemos que só através da ação consciente em harmonia com a Lei é que voltaremos à harmonia original da Criação e assim ao Reino Divino, e se a folha de figueira foi o primeiro objeto utilizado para cobrir o erro, vemos neste símbolo o instrumento necessário à recuperação do espírito para Deus.
Portanto, voltando ao raciocínio inicial, a figueira representa aquele que já se conscientizou da necessidade de ajustamento aos desígnios divinos. Aquele que deixou a evolução pelos impactos da vida realizando-a de forma consciente.
Narram ambos os evangelistas que Jesus teve fome. Isso deve ser por nós analisado.
Como diz o professor Carlos Torres Pastorino, é bem pouco provável que Jesus tenha tido fome, pois o Mestre tinha passado a noite em Betânia, e quando isso acontecia, era na casa de Lázaro e de suas irmãs Marta e Maria que ele se hospedava. É muito pouco provável que elas tão cuidadosas com o Senhor quanto eram, tenham o deixado sair de manhã sem se alimentar a ponto de na própria manhã ter fome.
Deste modo, seguindo a orientação de Emmanuel vamos analisar o fato com olhos espirituais, buscando retirar da letra que mata o espírito que vivifica.
Jesus teve fome, e isso nos leva a refletir. Jesus precisava de algo...
Quantas vezes nos aproximamos de Jesus ou dos Espíritos amigos somente som o objetivo de algo pedir em nosso favor ou em favor daqueles a quem amamos? Do mesmo modo pensemos: por quantas vezes nos aproximamos destes mesmos Espíritos com o objetivo de algo contribuir, pensando que também podemos ser úteis a eles?
Para a primeira pergunta a resposta é: várias; para a segunda, talvez nenhuma, ou no máximo, poucas.
Isso é significativo. É que em nossa imaturidade espiritual ainda buscamos mais receber do que dar, mais usufruir do que contribuir. Jesus teve fome e procurou os frutos de uma figueira que tinha folhas, isto é, alguma coisa a oferecer. E esta não tinha frutos para lhe saciar. Esta figueira pode ser comparada a nós em nosso estágio atual de evolução. Já temos folhas, já estudamos o evangelho, já nos dizemos espíritas e já até realizamos palestras em favor daqueles que conhecem menos do que nós. Mas em matéria de auto-iluminação, será que já estamos capacitados a alimentar a espiritualidade com ações efetivas no bem, e auxiliar o Senhor na implantação do Evangelho no coração das criaturas?
Lembremos de sua conversa de Jesus com o apóstolo:
E, depois de terem jantado, disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? E ele respondeu: Sim, Senhor; tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros. Tornou a dizer-lhe segunda vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Disse-lhe: Sim, Senhor; tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas. Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.[3]
Marcos, o evangelista, narra que Jesus não achou na figueira senão folhas, pois não era tempo de figos. É aí que os analistas se complicam. Para Jesus não era o aspecto material que contava, mas o ensinamento espiritual que poderia tirar do evento.
É normal que uma árvore só dê frutos na época de frutos, porém, sendo a figueira a representação do cristão verdadeiro, do adepto sincero de seu Evangelho, em sentido espiritual não existe época de frutos simplesmente porque toda hora é hora de o cristão estar sintonizado com o Cristo e pronto para o trabalho de servir em nome Dele.
Nada de ser bom somente no templo eleito para a prática de sua fé, nada de ser virtuoso somente nos trabalhos da igreja ou do centro espírita. É no dia a dia, no cumprimento de nosso dever junto à família, na prática de nossa profissão, ou em qualquer ambiente, é que devemos nos comportar com a virtude evangélica.
É muito comum reunirmos a família num tradicional almoço de domingo. Ali nos banqueteamos, nos fartamos, e muitas vezes exageramos na comida e na bebida. Imagine como ficará um cristão que, após almoçar bem, beber um bom vinho em quanto banqueteia, for abordado por um necessitado que em sua porta bata a lhe rogar um simples passe para equilíbrio de suas energias. Será conveniente esse adepto aplicar o passe no necessitado após a ingestão de saborosa carne de porco e de boa dose de vinho, por exemplo?
Talvez aquele necessitado tenha sido enviado pelo Cristo para saciar a sua fome de boas energias, e aquele cristão seja simplesmente como a figueira que tinha somente folhas, pois em verdade era domingo, e por que não podemos exagerar um pouco na alimentação? Não era tempo de trabalho...
Não é proibido ao cristão se alegrar, festejar ou alimentar bem. Mas tudo deve ser feito com equilíbrio, com simplicidade e cautela. Pois o verdadeiro adepto de evangelho deve estar sempre pronto a servir, a dar frutos... E a figueira seca representa exatamente a consequência dolorosa de nossa invigilância com os recursos que possuímos.
Na seara do Senhor sempre será tempo de colheita, de frutos saborosos.
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