Dentro do processo evolutivo do Espírito que caminha para Deus ele tem de experienciar nas faixas inferiores passando pela atração no mineral, pela sensação no vegetal, pelo instinto no animal, e mesmo na faixa hominal trabalha sua instintividade sendo obrigado a matar para não morrer, a demarcar território para possuir seu lar com tranqüilidade; passa por várias experiências na área da sexualidade…
Tudo isso cria nele um psiquismo que mais à frente ele vai ter de abandonar. O problema é que o Espírito passa a gostar desta faixa, entra num processo repetitivo e quando cai em si (sai desta embriaguez[1]) vê a necessidade de tudo isso deixar para traz e construir um homem novo cultivador de novos valores, os valores do Espírito.
Porém esta transição não é fácil, não é simples deixar o que cultivamos por longa data e nos adentrarmos por novos caminhos.
Como fazer?
O Livro dos Espíritos nos aponta Jesus como o Guia e Modelo[2] e analisando sua caminhada conforme a narrativa dos Evangelhos podemos encontrar o caminho desejado.
Jesus vem até nós nascendo em uma manjedoura. Primeiro passo a humildade.
…a humildade representa a chave de todas as virtudes.[3]
Se quisermos sair das faixas inferiores em que nos situamos é preciso iniciar pela humildade de saber quem somos, de nossa pequenez. Só assim poderemos elevar-nos pela conquista de valores mais nobres.
Quando inicia seu ministério Jesus o faz na Galiléia que simboliza para nós a simplicidade. Desta forma vem Ele fixar a lição da humildade ensinando-nos a sermos simples se quisermos vencer nossas complexidades. E na Galiléia recolhe os recursos necessários para seu ministério, e lá onde ele recruta aqueles que iriam auxiliá-lo, e serem os primeiros divulgadores de sua Boa Nova. Podia angariá-los na universidade de Alexandria ou na de Tarso, ou mesmo no Templo de Jerusalém entre os sábios judeus. Porém assim não fez, preferiu a sabedoria dos simples de coração.
Segundo as anotações de João, o Evangelista, após iniciar seus trabalhos na Galiléia segue Jesus para Jerusalém.
Jerusalém tem para nós o símbolo da religiosidade, da luz espiritual, da revelação superior.
Após sedimentada as bases de trabalho, humildade e simplicidade, busca Jesus a informação, a revelação superior. Não que ele precisasse disso; ele já era superior por natureza, porém não esqueçamos que ele veio para nos ensinar o caminho, o modus operandi para sairmos da animalidade.
Ao se colocar como alimento em um cocho para animais (manjedoura) deixa claro esta lição. Mais tarde vai dizer: Eu sou o pão da vida.[4]
Na sequência após a primeira passagem em Jerusalém, significando para nós a necessidade de recolher recursos superiores, Jesus decide voltar para a Galiléia (João, 4: 3), ensinando-nos que era lá, naquele momento, o seu campo operacional, e que após receber as luzes da revelação devemos buscar o serviço onde possamos aplicar os conhecimentos.
E o Evangelista diz: Era preciso passar pela Samaria. (João: 4: 4)
Interessante notar que este não era o caminho mais fácil de Jerusalém para a Galiléia, os judeus não o faziam até porque detestavam os samaritanos.
Por que então era preciso Jesus passar pela Samaria?
Sim, havia necessidade de levar o Evangelho a todas as criaturas, e os samaritanos também pertenciam ao povo hebreu, tinham deixado o Egito com Moisés, porém isto poderia ficar para mais tarde.
É preciso perceber na sequência evangélica toda uma linha didática, após recolher os recursos superiores (Jerusalém) e voltar para a sua vida cotidiana que é o seu campo de ação (Galiléia), temos a necessidade de passar pelas zonas de conflito (Samaria), só assim, se passarmos por elas e bem, fixamos em nós o ensinamento e alcançamos a condição de promoção espiritual.
Portanto, se quisermos vencer a instintividade, o grito da retaguarda em nossa intimidade, tenhamos os passos de Jesus como exemplo:
Humildade → simplicidade → conhecimento → testemunho.
Todo o Evangelho tem esse direcionamento que se inicia na manjedoura e termina no Gólgota.
Aliás, o término mesmo não é na cruz, esta é apenas um momento, um instrumento didático, tudo termina na Jerusalém futura, a Jerusalém celeste, significando nossa libertação pelo conhecimento (que em hebraico tem o sentido de penetração) em nós da Verdade.
[1] Cf. Gênesis, 9: 24
[2] O Livro dos Espíritos, questão 625
[3] A Caminho da Luz, cap. XII
[4] João, 6: 35 e 48