No princípio criou Deus os céus e a terra (Gn, 1: 1)
O
Evangelho tanto quanto o Antigo Testamento devem ser estudados em seu
aspecto reeducacional. É bom lembrarmos que a evangelização é pessoal,
não se evangeliza a massa; a massa é o nosso instrumento de crescimento e
a oportunidade de lançarmos a semente do Evangelho.
Quando estudamos evolução devemos levar
em consideração que a evolução que deve ser estudada é a que promove o
progresso moral do Ser, esta é a proposta de Jesus.
Para que o Espírito evolua, ele deve estar associado à matéria. A matéria é o instrumento que o espírito usa para a evolução.
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Esta evolução é feita em dois sentidos: descendente e ascendente.
O espírito mergulha na matéria evolução descendente.
O espírito emerge da matéria evolução ascendente.
Segundo os espíritos, na
questão 621 de O Livro dos Espíritos, a Lei de Deus está gravada na
consciência, Lei que foi esquecida. Segundo entendemos este esquecimento
se deu na evolução descendente. Na ascendente buscamos lembrar o que
foi esquecido.
“quis Deus que ela lhes fosse lembrada.”2.
Na descida as qualidades são potencializadas e na subida evolutiva, dinamizadas.
O berço da evolução é o
campo físico. Ela acontece nos dois planos, físico e espiritual,
entretanto, em nosso estágio atual não há como prescindir da matéria
para realizarmos a evolução.
Já no primeiro versículo deste capítulo do Gênesis temos esta realidade:
Céus e terra representando:
Notamos que segundo a ordem do relato bíblico temos céus e terra, sugerindo que os céus, o plano do espírito puro, veio antes, a terra
como expressão do que é material só acontece depois. Em seu primeiro
momento – se é que podemos assim dizer – Deus que é Espírito, cria
espiritualmente, fora das dimensões tempo e espaço. Tempo e espaço só
surgem com a formação do Universo material.
Através da evolução
descendente surge a matéria, o espírito que neste momento perde a sua
consciência irá readquiri-la pelo processo da evolução ascendente.
Temos aqui o símbolo da
“queda do espírito”. Antes, no paraíso de Deus, ele vive em espírito,
depois ele cai na matéria e precisa, pelo esforço de recomposição –
no suor do teu rosto comerás o teu pão3 - a ele voltar. É o que as religiões denominaram “salvação”, ou “redenção”.
Só se salva ou se redime o que se perdeu.
É neste sentido que
devemos entender a palavra “religião”, no de religar; religar a criatura
ao Criador. Aqui temos o que é verdadeiramente religião, não
confundirmos com as organizações religiosas criadas pelos homens.
A história da Bíblia é
esta, a de salvação do Espírito. Ela inicia com a criação, depois temos a
queda, na sequência as incessantes lutas do homem buscando Deus, e no
final – no Apocalipse – a Jerusalém Libertada, que é justamente o
símbolo da salvação do Espírito, da volta para Casa, para a Unidade
Divina.
Em Adão temos o símbolo
do rompimento da a Aliança feita com Deus, através de Jesus temos a
retomada da Aliança, por isso Paulo com a autoridade que lhe era
peculiar pôde dizer ser Jesus o último Adão.
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No princípio criou Deus os céus e a terra.
No Princípio; a expressão no princípio, em hebraico, beréshit,
nos fala de uma origem; alguns analistas têm visto este princípio
desvinculado de qualquer ideia de tempo, seria assim atemporal. Deus é
eterno e incriado, deste modo a criação seria eterna, algo que jamais
começou. Todavia podemos também entender este princípio como um momento
escolhido no tempo para iniciar um relato. Dizemos assim, pois desta
forma fica mais fácil a compreensão de algo que transcende o nosso
entendimento: a origem de tudo.
Assim, temos o princípio
de acordo com o estado evolutivo individual de cada um. Para uns a vida
começa com o nascimento físico, outros aceitam com facilidade a
preexistência da alma. Entre estes últimos há os que creem que a vida
inteligente só acontece a partir do reino animal ou hominal, entretanto
há aqueles que já veem o princípio inteligente no mineral, ou até mesmo
antes deste.
De que princípio fala o
texto, da origem do universo material? Das dimensões tempo e espaço? Ou
simplesmente da fundação de nosso Orbe? Como dissemos, cabe a cada um
analisar de acordo com a sua possibilidade evolutiva.
Os rabinos observam que a
primeira letra do alfabeto hebraico é o “aleph”. Esta simbolizaria Deus
em sua Unidade; “beth”, a segunda, a inicial de beréshit representaria assim, a dualidade. Portanto, beréshit (princípio), seria a entrada do universo na dualidade, a criação do mundo corpóreo.
Criou; ou criava segundo algumas traduções. Em hebraico “bara”,
verbo que só é utilizado tendo Deus por sujeito. Representa assim ação
criadora divina que é diferente da ação produtora do Espírito. Deus cria
a partir do que não existe, o Espírito só produz a partir do que já tem
existência.
Deus; no texto original temos o nome
Elohîms para designar o Deus que hoje conhecemos. Deus é único, singular, absoluto; porém
Elohîms é plural. Segundo Chouraqui
5, nas línguas semíticas,
Elohîms
é o termo genérico para designar o conjunto de divindades. Seriam
assim, dentro da terminologia espírita, os Espíritos Puros, aqueles que
segundo André Luiz realizam uma Co-Criação em plano maior. Relata-nos
este autor espiritual:
Nessa
substância original, ao influxo do próprio Senhor Supremo, operam as
Inteligências Divinas a Ele agregadas, em processo de comunhão
indescritível…
(…)Essas
Inteligências Gloriosas tomam o plasma divino e convertem-no em
habitações cósmicas, de múltiplas expressões, radiantes ou obscuras,
gaseificadas ou sólidas, obedecendo a leis predeterminadas…6
Emmanuel também nos esclarece a respeito:
Rezam
as tradições do mundo espiritual que na direção de todos os fenômenos,
do nosso sistema, existe uma Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos
pelo Senhor Supremo do Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas
diretoras da vida de todas as coletividades planetárias.7
Estas anotações estão em pleno acordo com o que nos ensinam os Espíritos na Codificação; em O Livro dos Espíritos encontramos:
Deus não exerce ação direta sobre a matéria. Ele encontra agentes dedicados em todos os graus da escala dos mundos.8
Portanto, quem constrói e
formam os mundos físicos e materiais são os Espíritos destacados pelo
Senhor Supremo para esta função, e Elohîms, Cristo, Logos, na verdade
são nomes que expressam esses “agentes dedicados” que servem a Deus
desde o princípio dos tempos.
Assim podemos compreender
melhor estas primeiras informações do Gênesis como sendo a expressão de
formação de mundos materiais, o nosso orbe por exemplo. Já existe
“tempo”, deste modo, é correto dizer no princípio. Deus é aqui a representação dos Espíritos Puros, Co-Criadores em plano maior, Elohîms.
Os céus e a terra; céus, no plural representa o infinito. Terra no singular, o finito.
Quando os cientistas
estudam uma provável data para o surgimento do Universo (aproximadamente
uns 15 bilhões de anos), falam do Universo físico. O Big Bang foi uma
grande explosão a partir da qual surge o Universo, porém, é preciso
perceber que alguma coisa explodiu, o quê? Não sabemos, porém era algo
que já existia. A cada percepção de princípio da ciência, descobriremos
que algo já existia antes, pois a ciência trata do relativo enquanto
Deus é o Absoluto. Pode-se descobrir Deus através da ciência, porém, sua
intimidade transcendental não é objeto de pesquisa desta.
Nossa visão de infinito é sempre relativa. Existem teorias sobre o infinito, mas não sabemos o que é.
Entramos no terreno da fé. Fé pode significar algo que não conhecemos mas que deduzimos.
Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que se não veem.9
(…) porque, em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos10
Portanto, Deus Cria, nós co-criamos.
Céus representa
também a primeira criação. Mesmo nós que co-criamos iniciamos qualquer
ação produtiva nos céus, isto é, no campo mental.
A terra representa assim o campo operacional; é onde executamos os projetos elaborados nos momentos de idealizações.
1 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, questão 22, 50ª ed. Rio de Janeiro, FEB, 1980
2 Kardec, 1980, Questão 621. a)
4 Cf. 1 Coríntios, 15: 45
5 CHOURAQUI, 1995, pág.31
6 XAVIER
Francisco C./ Waldo Viera / André Luiz (Espírito) Evolução em Dois
Mundos, Cap. 1 1ª Parte, 13ª Ed. Rio de janeiro, FEB, 1993,
7 XAVIER, Francisco C. / Emmanuel.
A Caminho da Luz, 10
a ed., Rio de Janeiro, FEB, 1980.
8 KARDEC, 1980, Questão 536, letra b