sábado, agosto 26, 2006

No Princípio

“No Princípio era o Verbo...” (João, 1: 1)

Assim inicia o evangelista o quarto Evangelho. Enquanto outros iniciam apresentando-nos Jesus, a origem de sua família, seu nascimento e as ocorrências deste, o autor de João nos fala da origem profunda do Cristo. Em uma tradução mais fiel, “no princípio: o Logos”.
A expressão no princípio, em grego en arkê, em hebraico, beréshit, nos fala de uma origem; alguns analistas têm visto este princípio desvinculado de qualquer idéia de tempo, seria assim atemporal; Deus é eterno e incriado, deste modo a criação seria eterna, algo que jamais começou. Todavia podemos também entender este princípio como um momento escolhido no tempo para iniciar um relato. Dizemos assim, pois desta forma fica mais fácil a compreensão de algo que transcende o nosso entendimento: a origem de tudo.
Assim, temos o princípio de acordo com o estado evolutivo individual de cada um. Para uns a vida começa com o nascimento físico, outros aceitam com facilidade a pré-existência da alma. Entre estes últimos há os que crêem que a vida inteligente só acontece a partir do reino animal ou hominal, entretanto há aqueles que já vêem o princípio inteligente no mineral, ou até mesmo antes deste.
O evangelista escreveu em grego, todavia, pensava em hebraico, daí a importância de analisarmos este beréshit. De que princípio fala o texto, da origem do universo material? Das dimensões tempo e espaço? Ou simplesmente da fundação de nosso Orbe? Como dissemos, cabe a cada um analisar de acordo com a sua possibilidade evolutiva.
Os rabinos observam que a primeira letra do alfabeto hebraico é o “aleph”. Esta simbolizaria Deus em sua unidade; “beth”, a segunda, a inicial de beréshit representaria assim, a dualidade. Portanto, beréshit (princípio), seria a entrada do universo na dualidade, a criação do mundo corpóreo.
No princípio: o Logos. Logos é uma palavra grega que foi traduzida como verbo, ou palavra. Todavia, seu correspondente hebraico davar, significa também inteligência, informação criadora. Deste modo logos não é verbo ou palavra em seu sentido habitual, mas a palavra criadora, o poder criador. Seria o espírito de Deus manifesto na criação, o Deus imanente.
Assim podemos entender melhor o primeiro versículo deste inspirado Evangelho:
“No princípio era o Logos e o Logos estava em Deus e o Logos era Deus.”
Façamos agora uma analogia deste versículo com versículo inicial do Gênesis:
“No princípio, criou Deus os céus e a terra.” (Gn, 1: 1)
No texto original temos o nome Elohîms para designar o Deus que hoje conhecemos. Deus é único, singular, absoluto; porém Elohîms é plural. Segundo Chouraqui (1995, pág.31)[1], nas línguas semíticas, Elohîms é o termo genérico para designar o conjunto de divindades. Seriam assim, dentro da terminologia espírita, os Espíritos Puros, aqueles que segundo André Luiz realizam uma Co-Criação em plano maior. Relata-nos o autor espiritual:
“Nessa substância original, ao influxo do próprio Senhor Supremo, operam as Inteligências Divinas a Ele agregadas, em processo de comunhão indescritível…”
“(…)Essas Inteligências Gloriosas tomam o plasma divino e convertem-no em habitações cósmicas, de múltiplas expressões, radiantes ou obscuras, gaseificadas ou sólidas, obedecendo a leis predeterminadas…” (Evolução em Dois Mundos, cap. 1, 1ª parte)
Emmanuel também nos esclarece a respeito:
“Rezam as tradições do mundo espiritual que na direção de todos os fenômenos, do nosso sistema, existe uma Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos pelo Senhor Supremo do Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas diretoras da vida de todas as coletividades planetárias.” (À Caminho da Luz cap. 1)
Estas anotações estão em pleno acordo com o que nos ensinam os Espíritos na Codificação, em O Livro dos Espíritos encontramos:
“Deus não exerce ação direta sobre a matéria. Ele encontra agentes dedicados em todos os graus da escala dos mundos.” (Questão 536 letra b).
Portanto, quem constrói e formam os mundos físicos e materiais são os Espíritos destacados pelo Senhor Supremo para esta função, e Elohîms, Cristos, Logos, na verdade são nomes que expressam esses “agentes dedicados” que servem a Deus desde o princípio dos tempos.
A partir das ideais expostas neste texto colocamos a seguinte questão:
Informa-nos O Livro dos Espíritos na questão 17 que não é dado ao homem conhecer o princípio das coisas, que isto tudo ainda é para ele um mistério. E esta palavra repete-se por várias vezes nesta obra mostrando nossa incapacidade de compreensão. Porém, já podemos questionar algumas coisas que nos parecem claras.
Deus é Uno, sua Lei é imutável e sua criação tem um modelo único, não sendo possível que sua Lei determine que uma ocorrência aconteça ora de um jeito ora de outro.
Se assim é não podemos conceber que em sua origem o espírito tenha sido criado simples e ignorante. É preciso refletir sobre isso, e os espíritas têm de discutir esta questão. Pensamos que quando os espíritos assim disseram na questão 115 de “O Livro dos Espíritos” não estavam se referindo à origem e sim ao início de um ciclo evolutivo. A prova de que esta pode ser a realidade é que eles mesmos repetem várias vezes que o princípio das coisas ainda é para o homem um mistério.
Uma outra prova desta impossibilidade é que se os espíritos fossem criados simples e ignorantes e tivessem necessidade de passar pelo mundo material para chegarem à condição de Espíritos Puros, quem seriam os “agentes dedicados”, os Cristos, ou Construtores dos primeiros mundos físicos? E estes quando criados seriam habitados por quem? Teria Deus operado diretamente sobre a matéria no início da Criação e só depois parado de assim o fazer? Particularmente cremos que não.
Este não é um artigo de contestação, sinceramente não temos esse objetivo. Não gostamos de polêmica. A nossa proposta é simplesmente levar os Espíritas atuais a pensar sobre o assunto e ajudar-nos no eterno questionamento:
Quem somos, de onde viemos, para onde vamos?

[1] No Princípio (Gênesis).

Sem Ele: Nada!

“Ele estava no princípio com Deus.
Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.” (João, 1: 2 e 3)


O Verbo é o Poder Criador. A partir deste entendimento podemos ver a Trindade de uma outra forma.
Deus é Espírito[1], a Fonte da Luz, dEle tudo emana. O Poder Criador, a Ação Criadora, o processo construtivo da gênese é o Pai, o Verbo. A obra criada, a Criação, é o Filho, o terceiro momento da Trindade.
Assim temos: Espírito - Pai - Filho
Deus está em tudo, tudo está em Deus. “Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos”.(Atos, 17: 28).
Depreendemos daí o princípio moral da Vida: Nada existe fora de Deus, e se Deus é amor nada existe fora do amor.
Tal princípio pode parecer uma filosofia essencialmente romântica, mas não é. Tudo o que não vibra de acordo com a Lei de amor é uma corrupção da criação original que emana de Deus, é fruto do livre arbítrio dos espíritos, que são os seres inteligentes da criação (Conf. O Livro dos Espíritos Q. 76). Se não foi criação de Deus é, portanto, transitório, em determinado ponto se esgota por si mesmo e tende a voltar às origens. Acha-se neste fato a gênese da dor.
“Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade”.(2Coríntios, 3: 17)
Amor pressupõe liberdade, constrangimento e amor não combinam entre si. Conforme as palavras do apóstolo onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade; deste modo, os espíritos, que são criação de Deus, são livres para fazerem a opção pelo bem ou pelo mal. Os que seguem a trilha do bem são os que andam de acordo com a Lei do amor. Quando Jesus ensinou o amor aos semelhantes ensinou o princípio da ciência que liberta o Ser da escravidão do erro; conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (João, 8: 32), afirmou, mostrando-nos assim, que o amor é a verdade absoluta que impera na criação, é o Verbo do princípio sem o quê nada existe.

[1] João 4, : 24