quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Educação e Evangelho (III)


O Evangelho é o tratado educacional mais amplo e completo que existe. Jesus entre os poucos títulos que aceitou para si, o de Mestre é o que lhe cai melhor devido ser a missão de educador a mais importante que Ele executou.
Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, porque eu o sou.[1]
A tradução que o redator evangélico emprega aqui é didascalos, do grego, que em português é mestre, porém na língua original de Jesus era rabbi.
Rabbi é muito mais do que mestre, pois deriva de rab, "grande" "abundante"; rabbi é então aquele em quem abunda a Lei de Deus, aquele que torna ela – a Lei – acessível a seus aprendizes. Rabbi é, deste modo, um mestre espiritual.
João, o Batista, aquele que precedeu a Jesus e o anunciou, assim definiu a missão do Meigo Nazareno:
Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.[2]
A palavra pecado no original grego é harmatía, que traduzida literalmente significa "perder a meta", "errar o alvo"; Jesus é assim aquele que tem a missão de mostrar o caminho certo aos homens afim de que cada um não perdendo sua meta original possa cumprir sua finalidade na Terra, que é a de estar integrado nas Leis Universais que dirigem o Cosmos.
Eu vim para que tenham vida e a tenham com abundância.[3]
Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim.[4]
Por tudo isso dizemos ser o Evangelho o maior tratado de educação já ensinado, pois Jesus sendo um Espírito Perfeito, tudo o que ele fazia era com perfeição, desde trabalhar a madeira em seu ofício de carpinteiro até educar almas, sua missão maior.
A partir de agora analisaremos alguns pontos do Evangelho salientando assim essa missão superior do Grande Enviado.
Discípulos = Educadores: Pescadores de Homens
E aconteceu que, cercando-o a multidão para ouvir a palavra de Deus, à margem ao lago de Genesaré, viu estar dois barcos junto à praia do lago; e os pescadores, havendo descido deles, estavam lavando as redes.
Subindo num dos barcos, o de Simão, pediu-lhe que o afastasse um pouco da terra; e, assentando-se, ensinava do barco a multidão.
Quando acabou de falar, disse a Simão: faze-te ao mar alto, lançai as vossas redes para pescar.
Simão responde e diz:: Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos; mas, sob tua palavra, lançarei a rede.
E, fazendo assim, pegaram uma grande quantidade de peixes, tanto que suas redes rasgam-se.
E fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco, para que os fossem ajudar. E foram e encheram ambos os barcos, de maneira tal que quase iam a pique.
E, vendo isso Simão Pedro cai aos joelhos de Jesus, dizendo: Senhor, afasta-te de mim, por que sou um homem pecador.
Pois que o espanto se apoderara dele e de todos os que com ele estavam, por causa da pesca que haviam feito, e, de igual modo, também de Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão. E disse Jesus a Simão: Não temas; de agora em diante, serás pescador de homens.
E, levando os barcos para terra, deixaram tudo e o seguiram.[5]
O verdadeiro educador não pode ser elitista, não pode privilegiar a uns em detrimentos de outros. A educação, como a medicina, é também uma missão e não uma fonte de gerar riquezas materiais. Jamais esqueçamos que o alvo da educação é o educando, isto é o Ser humano.
A multidão cercava Jesus para ouvir a palavra de Deus e Ele carinhosamente a revelava a todos indistintamente.
É lógico que Ele sabia, profundo conhecedor da alma humana que era, que nem todos estavam preparados para compreender os ensinamentos superiores, porém, também sabia que a Evolução é uma lei natural, e que se hoje muitos não compreendem, amanhã, mais amadurecidos iriam entender e assim se transformarem em seres melhores.
Assim, sabia da importância de formar um quadro de seguidores à altura de dar continuidade ao Seu trabalho, e também de chegarem com sua mensagem até o íntimo daqueles que ainda não estavam preparados para entender Seus ensinamentos diretamente da Fonte Superior. Do mesmo modo que Deus precisou de Jesus para Se revelar, Ele também necessitava de outros educadores (discípulos) para se fazer compreendido.
Além, como já dissemos, de não discriminar pessoas, Superior Pedagogo que era, ensinava em todos os ambientes onde houvessem elementos dispostos a aprender. Não construiu templos de pedra, nem mostrou ser o ambiente físico essencial para que fossem veiculados Seus ensinamentos; a Palavra de Deus, ou a explicação da Torah, como era comum à época, era levada em barcos, no alto de um monte, nas margens de um lago, do mesmo modo que em templos e sinagogas. Com simplicidade e amor atingia a alma daqueles que O ouviam e assim despertava nestes o que existia de melhor em matéria de sentimentos e ambições.
Viu estar dois barcos junto à praia do lago; e os pescadores, havendo descido deles, estavam lavando as redes. Havia chegado o fim de mais um ciclo de trabalho material, os pescadores após um momento de busca do alimento do corpo físico, estavam sedentos de um alimento que não se esgotasse e saciasse a fome da alma. Eles conscientemente não compreendiam isto, porém, Ele, o Mestre dos mestres, alcança todas as nossas necessidades e sabia como era propício o momento para um ensinamento de ordem superior. Enquanto aqueles humildes homens limpavam a rede do lodo e das ramagens que nelas permaneciam, a vida preparava-os para lições imorredouras.
O barco representa a possibilidade de realização de cada um. Jesus subiu no de Simão como se faz necessário que suba também no nosso a nos conduzir a portos mais seguros.
A grande lição daquele momento estava sendo amadurecida, a da necessidade dos discípulos, e assim cada um de nós, se tornar um pescador de homens, um educador de almas, ou ainda um motivador nos homens de atitudes moralmente positivas. Jesus tinha ciência disso e assim cuidava da lição nos mínimos detalhes, por isso pediu-lhes: "afaste o barco
um pouco da terra", mostrando-nos que para realizarmos o milagre da vida que é ensinar os homens a faculdade de amar, é preciso que estejamos distantes dos interesses puramente materiais representados na narrativa evangélica pelo afastamento da terra. Pois só desligados dos valores do "terra-terra" pensamos nas questões espirituais.
Fazendo desta forma, e sabendo que tal recurso didático seria reconhecido com o decorrer dos séculos, o grande Rabi, que tem a paciência de deixar que o tempo realize o seu trabalho, senta-se e distanciado dos sentimentos contraditórios manifestados pela multidão, ensina a todos a palavra de Deus.
Significativas lições podemos retirar desta passagem conforme vimos narrando, cabendo a cada educador situar-se dentro do contexto, buscando a utilidade de cada expressão para seu momento evolutivo; salta-nos aos olhos porém a necessidade da preparação do ambiente e dos elementos a serem valorizados, lembrando sempre que falamos de preparação vibratória e espiritual, e não como desculpa para elitizar e discriminar pessoas e locais. Jesus, como já dissemos, ensinava a todos e onde se fizesse presente a necessidade de aprendizado.
Quando acabou de falar, disse a Simão: faze-te ao mar alto, lançai as vossas redes para pescar.Excelente didática a do Meigo Nazareno, após conhecer a lição, necessário se faz que a pratique como forma de fixar o aprendizado. Faze-te, como expressão do dinamismo necessário; ao mar alto, isto é, ao palco das vicissitudes da vida, ou aos embates do dia a dia, tão necessários à evolução de todos nós.
Como já´foi dito, Jesus tinha por objetivo educar o homem promovendo-o a uma moral superior e a conquistas de maior espiritualidade. Por ser Mestre de sabedoria tinha conhecimento de que se fazia necessário que cada um passasse por experiências na faixa da dualidade, experiências estas que se não compreendidas podem significar mais dores e até mesmo um maior distanciamento da meta original. Assim, se sugeria que cada qual carregasse a sua cruz[6], também não deixava de chamar a atenção para o vigiai e orai.[7]
Faze-te ao mar alto, lançai as vossas redes para pescar... é como se dissesse, vá à luta mas jamais esqueça seu objetivo principal: lançai as vossas redes para pescar...
Aí entra novamente a necessidade daquele que promove a educação reavaliar em conjunto com os que são o alvo de seu trabalho, qual é o objetivo de cada um, que tipo de pesca quer realizar. Jesus tinha a certeza da necessidade de cada um conhecer o Pai e assim se libertar, tinha convicção de que a prioridade era servir a Deus através da vida:
Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra.[8]
Portanto avaliemos, o que queremos da vida? A que realização estamos vinculados no plano dos desejos e ambições? Como temos trabalhado tudo isso em relação ao nosso semelhante?
São questões necessárias, pois lembremos, como pais, amigos, companheiros de trabalho, ou onde quer que estejamos, somos sempre evangelizadores, outra palavra sinônima de educadores.
Simão podia, como todos nós, ter os seus defeitos, mas Jesus que via além das aparências, encontrou nele qualidades dignas de investimento visando um objetivo maior. O nome dado a ele mais tarde, Pedro, não era usado anteriormente como nome de pessoa. Pedro vem do grego Petros ou de seu correspondente aramaico Kepha que quer dizer "rocha". Todavia, aqui, além de notarmos nele a firmeza característica de uma rocha vemos também que ele era perceptivo e tinha grande discernimento:
Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos; mas, sob tua palavra, lançarei a rede.
Em primeiro lugar, ele reconheceu a autoridade de Jesus, coisa que nestes dois mil anos temos tido a dificuldade de aceitar. Desta forma, ele rapidamente vê a oportunidade de dar um novo sentido ao seu trabalho, e o que é mais importante, ajusta-se a ele sem perda de tempo: sob tua palavra, lançarei a rede.
Só essa frase de superior sabedoria é suficiente para realizarmos grande meditações, pois o que não poderíamos fazer se sobre a palavra do Cristo empreendêssemos todas as nossas realizações? Será que conseguimos alcançar a profundidade desta afirmativa do discípulo Pedra?
A palavra noite expressando em que momento trabalhava Simão espelha muito bem as nossas atuações. Por priorizarmos as conquistas materiais, e apostarmos nelas nossas principais fichas, pouco produtivas têm sido nossas conquistas em matéria de paz e grandes dores temos gerado; é que temos trabalhado na noite dos tempos, ou seja, envolto em trevas desprezando sempre a Luz que é a "palavra do Senhor" que nos fora revelada em todos os tempos por vários de Seus mensageiros.
Simão tinha trabalhado toda a noite, como nós estava cansado, angustiado e nada tinha produzido. No entanto surgia uma nova oportunidade, oportunidade essa que nos é clara a todo instante:
…sob tua palavra, lançarei a rede.
Assim, voltamos a repetir pois se faz necessário. Qual tem sido a prioridade do modelo educacional que reina atualmente em nosso meio? Produzir homens bons ou produzir homens capazes de muito possuir? Gerar criaturas interiorizadas, ou cultivar os valores da estética e da beleza exterior? Quem são os nossos ídolos? Temos produzido harmonia ou dissensões?
É que temos trabalhado à noite, e se os resultados não têm sido muito satisfatórios, façamos do mesmo modo que aquele que foi denominado pelo Senhor como Kepha:
Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos; mas, sob tua palavra, lançarei a rede.
O texto evangélico é claro: e, fazendo assim, pegaram uma grande quantidade de peixes, tanto que suas redes rasgam-se.
É que caminhando conforme a orientação daquele que é o verdadeiro Pastor de Almas, isto é, em consonância com a Lei de Deus que é a própria misericórdia, seremos sempre fartos, e muitos mais do que isso, seremos abundantes em realizações e conquistas espirituais.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia…[9]
A pesca fala-nos da conquista do alimento físico do homem, ela representa assim, todo trabalho voltado para realizações materiais. Jesus, conforme narra o evangelista, tem por objetivo fazer que o Seu seguidor torne-se um pescador de homens, ou seja, alguém que promova a conquista do alimento espiritual para si e também para todos, pois aquele que se ajusta aos princípios morais que regem o universo, conscientiza-se de que o Cosmos é uma unidade orgânica em que todos somos unidades menores com o compromisso de trabalhar pela harmonia do todo.
Assim, o verdadeiro cristão é alguém comprometido com a prática educacional a todo instante, pois além de autoeducar-se, gera impulsos edificadores em todos com quem convive.
Fazendo assim, a educação deixa de ficar circunscrita à escola e ganha dimensões inimagináveis pois a virtude vivenciada se multiplica acima de qualquer projeção matemática conhecida por equações humanas. Quando analisamos deste modo, a recomendação do Senhor, Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura[10], deixa de ser simples prática de proselitismo para tornar verdadeiro tratado científico de educação, pois fazendo assim, pegaram uma grande quantidade de peixes, tanto que suas redes rasgam-se. Até mesmo os companheiros que estavam no outro barco se beneficiam como resultado deste efeito multiplicador da prática evangélica, comprovando assim, o que dissemos anteriormente sobre o processo educacional da verdade de Deus vivenciada.
Simão se maravilha. Aqueles que são por natureza firmes em suas convicções, só diante de uma verdade maior se convencem de uma nova realidade; Simão era assim, por isso representa a liderança que o Senhor espera de cada um de nós, firmeza nas convicções, mas sempre com abertura a novas propostas evolutivas, desde que devidamente embasadas.
A atitude de cair de joelhos fala-nos da rendição necessária que devemos ter diante do Maior, que no caso aqui é a Palavra de Deus através de Jesus. Dizemos isso com maior clareza, visto ser bastante comum sermos reacionários diante de uma nova proposta, mesmo que essa seja superior à que esposamos. E isso se dá até mesmo no movimento espírita. Achamos excelente a palavra do Codificador quando nos propõe uma doutrina evolucionista capaz de assimilar novas evidências, mas temos imensa dificuldade de aceitar qualquer coisa que não tenha sido tratada por ele na Codificação.
O espanto se generaliza, mas é este bem conduzido pelo Rabi, que sabe que às vezes o choque é um elemento necessário para despertar valores milenarmente adormecidos no Ser, por serem estes imanentes em nós desde o princípio dos tempos.
Assim, Tiago, João, e André, mesmo que este não seja nominalmente citado, representam nossos companheiros de viagem, aqueles com quem, com a permissão da Vida, trabalhamos nossas potencialidades divinas mais de perto, tornando-nos assim capazes de, dentro de um menor tempo possível, nos fazermos pescadores de homens, isto é, educadores de almas dentro de uma nova proposta de edificação constante dos Seres para a única realidade perene da vida: Deus e Sua Lei como manifestação de tudo o que existe.
Façamos, deste modo, como os primeiros educadores convocados pelo Senhor, levemos nossos barcos
para a terra
, ou seja, para a nossa vida diária, mas deixando para trás tudo que significa atraso em matéria de evolução para o espírito imortal, seguindo a melhor proposta educacional de todos os tempos, a do Evangelho.


Notas:
[1] João, 13:13
[2] João, 1: 29
[3] João, 10: 10
[4] João, 14:6
[5] Lucas, 5 1 a 11
[6] Cf. Mateus 16:24.
[7] Marcos, 14: 38
[8] João 4, 34
[9] Mateus, 5: 6 e 7
[10] Marcos, 16: 15

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