domingo, outubro 10, 2010

Morrer Uma Só Vez

E como é um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois do que vem o julgamento… (Hebreus, 9: 27)

Este versículo da carta de Paulo aos hebreus tem sido muito usado pelos adversários da ideia da reencarnação para condená-la. Dizem eles que claramente está escrito no Novo Testamento que o homem morre apenas uma vez não sendo assim, admissível, a teoria palingenésica, pois esta contraria o texto do Evangelho.
Como em todos os textos sagrados é preciso interpretar e seguindo as orientações do próprio apóstolo dos gentios ficar com o espírito que vivifica ao invés de valorizar mais a letra que mata.
Não podemos dissociar nenhum versículo das escrituras do contexto em que eles estão inseridos, se assim fizermos corremos o risco de desfigurarmos a ideia original de seu autor, portanto faz-se imprescindível ver o que Paulo queria dizer aos seus leitores naquele momento.
Segundo Emmanuel esta carta foi escrita pelo próprio Paulo, ao contrário do que dizem os estudiosos do assunto, e mais, que muitas vezes ele era visto escrevendo em lágrimas, pois escrevia com o coração, dedicando-a a seus irmãos de raça fazendo vê-los que Jesus era o Messias prometido nas Escrituras Hebraicas e que era inclusive superior a Moisés.
Nos capítulos oito e nove desta carta nosso Paulo faz uma relação entre a primeira aliança feita por Deus com Moisés e a nova aliança, a definitiva, feita por Deus com o homem através do próprio Cristo, mostrando a todos a superioridade desta última.
Paulo sabia que o objetivo último do Espírito era entrar na intimidade de Deus através do tornar-se perfeito. E coerente com esta ideia, ele mesmo, dezenove séculos depois volta através da mediunidade e diz que "Gravitar para a unidade divina, eis o fim da Humanidade."
Assim, ele faz ver a seus leitores que o ritual realizado pelo sumo sacerdote ao entrar no Santo dos Santos uma vez por ano é um símbolo do que deveria ser a comunhão do Espírito com Deus. Diz ele:

Há nisso um símbolo para o tempo de agora.
Mais à frente ele diz sobre os ritos e os sacrifícios da primeira aliança:
Portanto, se as cópias da realidade celestes são purificadas com tais ritos, é preciso que as próprias realidades celestes sejam purificadas com sacrifícios bem melhores que estes! Cristo não entrou no santuário feito por mão humana, réplica do verdadeiro, e sim no próprio céu, a fim de comparecer, agora, diante da face de Deus a nosso favor. E não foi para oferecer-se a si mesmo muitas vezes, como o sumo sacerdote que entra no Santuário cada ano com sangue de outrem. Pois se assim fosse deveria ter sofrido muitas vezes desde a fundação do mundo. Mas foi uma vez por todas, agora, no fim dos tempos, que ele se manifestou para abolir o pecado através de seu próprio sacrifício.
Neste ponto, dando sequência à sua exposição é que ele afirma:
E como é um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois do que vem o julgamento, Cristo foi oferecido uma vez por todas para tirar os pecados da multidão.
Deste modo vemos que a mensagem de Paulo é muito mais profunda do que supomos após uma leitura rápida do texto. Morte para ele, aliás como em quase sempre em toda literatura bíblica, não tem o sentido de cessação da vida física, de desencarnação, como muitas vezes tratamos o assunto.
Esta morte, a da desencarnação, tem importância restrita, pois ela é apenas parte do processo. Trata-se de morte biológica quando o objetivo da mensagem cristã é a vida eterna do Espírito.
A morte a que Paulo se refere é a morte gerada pelo pecado, e aqui podemos ver também a morte do homem velho cheio de viciações para que em Cristo nasça uma Nova Criatura.
O apóstolo diz através deste texto e também de outros de sua belíssima inspiração, que antes de Jesus éramos um, mortos pelo pecado, após o Cristo operar em nós, outro, possuidor da Vida Eterna.
Toda a literatura bíblica nos mostra a necessidade do sacrifício para agradar a Deus; o Converso de Damasco vem mostrar-nos que este era o entendimento por se referir a uma cópia da realidade celeste, mas que a verdadeira realidade celeste exigiria algo mais, o sacrifício de si mesmo. E que por ser praticante do rito simplesmente exterior o sumo sacerdote fazia isto todo ano e nunca tinha o verdadeiro acesso a Deus; como a missão de Cristo era reestabelecer definitivamente a conexão com o Pai ele tinha de ensinar um processo definitivo de estar na Presença de Deus, que era o de doar de si mesmo pelo plano aplicativo do Evangelho, este o verdadeiro significado da aliança pelo sangue do cordeiro. Só assim, seria reestabelecida a Vida, esta a mensagem.
Assim, ao dizer é um
fato que os homens devem morrer uma só vez, o apóstolo está a dizer que nós só morremos uma vez, isto é, quando nos afastamos de Deus pelo "pecado", que nada mais é que o desvio de Sua Lei. Quando pelo processo de redenção compreendemos a lição e elegemos o Evangelho como norma de vida e aderimos ao Cristo definitivamente, neste momento adquirimos a Vida Eterna e não morremos mais, nem mesmo reencarnaremos mais, por termos atingido aquela condição de Espírito Puro e atingido a meta finalística da Perfeição.
Concluindo temos que, morrer uma só vez é o símbolo da queda consciencial pelo nosso afastamento do Campo de Deus; o que uns chamam de infração da Lei Divina e outros de pecado. Após este momento vem o juízo, ou julgamento, em grego krisis,que representa bem o projeto evolucional que leva o Espírito à sua recomposição íntima pelo aperfeiçoamento moral.
Não esqueçamos que o vocábulo krisis pode também ser traduzido por "justiça", ou seja, após o erro que nos distanciou do Criador vem a justiça que é o mesmo que a Lei que nos leva à evolução.
Assim, podemos melhor compreender que o autor de Hebreus em nada quis defender a ideia da unicidade da existência com o versículo em epígrafe, mas dizer que como Cristo, se nos ajustarmos ao Plano de Deus, não teremos mais a necessidade de morrer novamente pois teremos a Vida Eterna, mas se como o sumo sacerdote insistirmos apenas em sacrifícios exteriores, ou na ilusão da vida material, o que ele definiu como cópia da realidade celeste, ainda teremos que nascer, morrer e renascer muitas vezes, esta é a Lei.
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Referências:
XAVIER, Francisco Cândido / Emmanuel (Espírito). Paulo e Estevão, 41ª Ed. Rio de Janeiro: FEB. 2004, 2ª parte, cap. 10.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 50ª ed. Rio de Janeiro: FEB. 1980, Questão 1009
Hebreus, 9: 9
Hebreus, 9: 23 a 26
Id., Ib., 27 e 28

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