terça-feira, junho 19, 2012

O Dogma do Pecado Original à Luz do Espiritismo



Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe.1

A palavra pecado tanto em grego quanto em hebraico que são os idiomas bíblicos tem o sentido de “errar o alvo”; como alguém que atira uma flecha e erra o alvo. Outra ideia que tem mais ou menos o mesmo sentido é a de “desviar-se do rumo”.
De qualquer modo depreendemos de tal conceituação que o homem tem um alvo, isto é um objetivo, um rumo, existe um plano para ele. Quando ele se desvia deste caminho ele erra ou peca conforme dizem as religiões.
Assim, conclui-se que o homem não foi feito para pecar, se ele assim o fez foi por vontade própria fazendo uso de seu livre arbítrio.
Em sentido mais amplo podemos dizer que existe uma Lei no Universo que é a Lei de Deus que gerencia e regula toda a criação de um modo geral, quando infringimos ou transgredimos esta Lei, pecamos.
Pecado Original
Contrariamente ao que parece a origem do dogma do pecado original não é judaica, o judaísmo não o apoia.
Segundo um artigo publicado por Kardec na Revista Espírita de Novembro de 18682, artigo este tirado de um jornal israelita dirigido pelo Rabino Benjamin Mossé, o dogma do pecado original está longe de estar entre os princípios do Judaísmo.
Segundo o articulista…

O dogma do pecado original toma pela letra o relato da Gênese, do qual se desconhece o caráter lendário, e que, partindo desse ponto de vista errado, aceitam-se cegamente todas as consequências que dele decorrem, sem se importar com a sua incompatibilidade com a natureza humana e com os atributos necessários e eternos que a razão reporta à natureza divina.

Depreendemos assim, que o dogma do pecado original tem origem no catolicismo e foi adotado também pela escola protestante.
Mas o que diz este dogma?
Que o primeiro casal de humanos – Adão e Eva – tentado pelo Diabo na figura da Serpente, desobedeceram uma ordem divina que dizia que eles não poderiam comer da árvore da ciência do bem e do mal, e que a partir desta transgressão, que foi um ato de rebeldia em relação a Deus, eles atraíram para si e para toda humanidade, inclusive para a que viesse a partir de então, uma maldição do Céu, maldição esta que implicaria em toda sorte de males e dores, de erros, de crimes e tudo quanto fosse de ruim.
Através deles, teria entrado o pecado no mundo, e com o pecado o mal e com o mal, as doenças, a morte e todo tipo de aberração, inclusive da natureza.
Ou seja, tudo o que existe de ruim no mundo é culpa do pecado, e este é culpa de Adão e de Eva que se deixaram seduzir pela Serpente.
A situação é mais ou menos assim, nós já nascemos no erro, somos pecadores, temos o DNA da transgressão e tudo por causa deste casal primeiro.
Há injustiça no mundo? Crianças nascem defeituosas? Existe guerra, fome, tragédias, e muito mais? Culpa do pecado, culpa de Adão e Eva.
O mais interessante disto tudo, é que tanto católicos quanto protestantes dizem seguir a Bíblia literalmente, e que se algo está em contradição com o Texto Sagrado, este algo ou esta doutrina deve ser condenada, pois a Bíblia é a Palavra de Deus.
Não discutimos quanto à superioridade da doutrina moral da Bíblia, esta é mesma de origem divina. Entretanto, parece que nossos irmãos ainda não leram o capítulo XVIII do livro de Ezequiel, pois nele encontramos as seguintes colocações:
1A palavra de Iahweh me foi dirigida nestes termos: 2Que vem a ser este provérbio que vós usais na terra de Israel: "Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos ficaram embotados"? 3Por minha vida, oráculo do Senhor Iahweh, não repetireis jamais este provérbio em Israel. 4Todas as vidas me pertencem, tanto a vida do pai, como a do filho. Pois bem, aquele que pecar, esse morrerá. 5Se um homem é justo e pratica o direito e a justiça, 6não come sobre os montes e não eleva os seus olhos para os ídolos imundos da casa de Israel, nem desonra a mulher do seu próximo, nem se une com uma mulher durante a sua impureza, 7nem explora a ninguém, se devolve o penhor de uma dívida, não comete furto, dá o seu pão ao faminto e veste ao que está nu, 8não empresta com usura, não aceita juros, abstém-se do mal, julga com verdade entre homens e homens; 9se age de acordo com os meus estatutos e observa as minhas normas, praticando fielmente a verdade: este homem será justo e viverá, oráculo do Senhor Iahweh. 10Contudo se tiver um filho violento e sanguinário, que pratique uma destas coisas, 11quando ele não cometeu nenhuma, isto é, um filho que chegue a comer nos montes, que desonre a mulher do seu próximo, 12que explore o pobre e o necessitado, que cometa furto, que não devolva o penhor, que eleve os seus olhos para os ídolos imundos e cometa abominação, 13que empreste com usura e aceite juros, certamente não viverá, por ter praticado todas estas abominações: ele morrerá e o seu sangue cairá sobre ele. 14Mas se este, por sua vez, tiver um filho que vê todos os pecados cometidos pelo seu pai, os vê, mas não os imita, 15isto é, não come sobre os montes e não eleva os seus olhos para os ídolos impuros da casa de Israel, não desonra a mulher do seu próximo, 16não explora ninguém, não exige penhor e não comete furto, antes, dá o seu pão ao faminto e veste aquele que está nu, 17se abstém da injustiça, não aceita usura nem juros, observa as minhas normas e anda nos meus estatutos, este não morrerá pelas iniquidades de seu pai, antes, certamente viverá. 18O seu pai, visto que agiu com violência e praticou o furto, visto que não se comportou bem no seio do seu povo, este, sim, morrerá por causa da sua iniquidade. 19E vós dizeis: "Por que o filho não há de levar a iniquidade de seu pai?" Ora, o filho praticou o direito e a justiça, observou todos os meus estatutos e os praticou! Por tudo isso, certamente viverá. 20Sim, a pessoa que peca é a que morre! O filho não sofre o castigo da iniqüidade do pai, como o pai não sofre o castigo da iniqüidade do filho: a justiça do justo será imputada a ele, exatamente como a impiedade do ímpio será imputada a ele3. (Grifos nossos)
Portanto, baseado neste texto que diga-se de passagem é dos mais expressivos, e como disse S. Jerônimo, a verdade não pode estar em coisas que se contradizem, a Bíblia não apoia a ideia da transferência de responsabilidade, cada um é responsável por si. Como nos ensinou Jesus, a cada um segundo as suas obras4. Deste modo, voltando a citar o artigo do Rabino Benjamin Mossé:

Se Adão e Eva pecaram, só a eles pertence a responsabilidade de sua ação má; só a eles sua queda, sua expiação, sua redenção por meio de seus esforços pessoais para reconquistar a sua nobreza.5

Todavia existe neste dogma algo de verdade, realmente todo mal existente em nosso Universo é fruto do pecado, é devido às nossas transgressões que temos a necessidade de nascer e morrer, pois o Espírito Puro não precisa mais do ciclo dos renascimentos. Daí, entendemos que todas as desigualdades da vida, as guerras, as enfermidades, e a morte de um modo geral, tudo isto é devido mesmo ao pecado. Então, como conciliar e harmonizar esta questão, o que a doutrina espírita pode nos esclarecer quanto ao chamado pecado original?
Este é mais um tema em que à luz da reencarnação e da preexistência da alma tudo fica esclarecido com muita naturalidade.
Deixamos a palavra com Kardec:

Sem a preexistência da alma, a doutrina do pecado original não seria somente inconciliável com a justiça de Deus, que tornaria todos os homens responsáveis pela falta de um só, seria também um contrassenso, e tanto menos justificável quanto, segundo essa doutrina, a alma não existia na época a que se pretende fazer que a sua responsabilidade remonte. Com a preexistência, o homem traz, ao renascer, o gérmen das suas imperfeições, dos defeitos de que se não corrigiu e que se traduzem pelos instintos naturais e pelos pendores para tal ou tal vício. É esse o seu verdadeiro pecado original, cujas consequências naturalmente sofre, mas com a diferença capital de que sofre a pena das suas próprias faltas, e não das de outrem; e com a outra diferença, ao mesmo tempo consoladora, animadora e soberanamente equitativa, de que cada existência lhe oferece os meios de se redimir pela reparação e de progredir, quer despojando-se de alguma imperfeição, quer adquirindo novos conhecimentos e, assim, até que, suficientemente purificado, não necessite mais da vida corporal e possa viver exclusivamente a vida espiritual, eterna e bem-aventurada.6

Assim, entendemos. O Espírito reencarna muitas vezes na Terra ou em outros Orbes realizando seu aperfeiçoamento. Ele, Espírito, inicia sua evolução no estado de “simples e ignorante” e tem por destinação a Perfeição Moral que é característica dos Espíritos Puros.
É ainda Kardec quem nos elucida:

O Espírito tem por destino a vida espiritual, porém, nas primeiras fases da sua existência corpórea, somente a exigências materiais lhe cumpre satisfazer e, para tal, o exercício das paixões constitui uma necessidade para o efeito da conservação da espécie e dos indivíduos, materialmente falando. Mas, uma vez saído desse período, outras necessidades se lhe apresentam, a princípio semimorais e semimateriais, depois exclusivamente morais. É então que o Espírito exerce domínio sobre a matéria, sacode-lhe o jugo, avança pela senda providencial que se lhe acha traçada e se aproxima do seu destino final. Se, ao contrário, ele se deixa dominar pela matéria, atrasa-se e se identifica com o bruto.
Nessa situação, o que era outrora um bem, porque era uma necessidade da sua natureza, transforma-se num mal, não só porque já não constitui uma necessidade, como porque se torna prejudicial à espiritualização do ser. 7

Desta forma, quando o Espírito se deixa dominar pela matéria e entra num plano de transgressão da Lei é quando ele se “desvia do rumo” ou “erra o alvo”, assim, ele vai criando para si um psiquismo de erro e aprofundando suas imperfeições. Ao desencarnar ele leva para o mundo espiritual todas estas imperfeições e ao reencarnar ele as traz como tendências negativas, por isto é certo dizer que nascemos pecadores, que temos o “gérmen do pecado”. Como nos ensinou Kardec, esse é o pecado original que todos trazemos e que gera toda sorte de males, a diferença é que cada um é responsável pelo seu, como confirma o apóstolo Paulo todos pecamos, por isso todos estamos privados da Glória de Deus8.
Importante ainda notar aqui outro diferencial da doutrina espírita, o quanto ela é consoladora cumprindo assim a profecia de Jesus quanto ao advento do Paráclito.
Enquanto os defensores do dogma do pecado original defendem a eternidade das penas após o curto espaço de tempo de uma vida, a doutrina espírita ensina que através das reencarnações o Espírito progride, se aperfeiçoa, e recompõe a sua consciência através da reparação de seus erros. Com isso nenhum dos filhos de Deus se perde pela eternidade, todos se salvam.
Pense bem, reflita com calma e sem preconceitos, qual das duas propostas parece mais ter vindo de Deus, qual transparece mais os atributos superiores do Criador, a doutrina que prega o pecado original e as penas eternas após uma única vida, ou a da responsabilidade individual e da redenção do Espírito e de todos os Espíritos pela Lei da reencarnação?

Obras Consultadas:

A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992.
KARDEC Allan;. “Do Pecado Original Segundo o Judaísmo.” Revista Espírita, Novembro de 1868.
KARDEC, Allan. A Gênese, 26ª Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1984.


1 Salmo, 51: 5
2 KARDEC Allan;. “Do Pecado Original Segundo o Judaísmo.” Revista Espírita, Novembro de 1868.
3 Ezequiel, 18: 1 a 20
4 Apocalipse, 22: 12
5 (KARDEC Allan; Novembro de 1868)
6 KARDEC, Allan. A Gênese, 26ª Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1984. Cap, I item 38
7 (KARDEC 1984); Cap. III Item 10
8 Romanos, 3: 23

Nenhum comentário: