segunda-feira, junho 01, 2009

Introdução ao Estudo do Evangelho

Nosso problema não é se o lemos, ou analisamos, e nem mesmo se “cremos” nele, intelectualmente falando. Nosso problema é se praticamos ou não seus preceitos. (Russell N. Champlin)


No que diz respeito ao estudo do Evangelho faz-se preciso responder três perguntas:
  • Por que estudar o Evangelho?
  • Para quê?
  • Como?


Na resposta da primeira temos que lembrar o que os Espíritos disseram a Kardec quando de uma pergunta feita por este e que é de fundamental importância para o Espírita. Trata-se da questão 132 de O Livro dos Espíritos:

  • Qual é a finalidade da encarnação dos Espíritos?

– Deus a impõe com o fim de levá-los à perfeição, para uns, é uma expiação; para outros, uma missão. Mas, para chegar a essa perfeição, eles devem sofrer todas as vicissitudes da existência corpórea: nisto é que está a expiação. A encarnação tem ainda outra finalidade, que é a de pôr o Espírito em condições de enfrentar a sua parte na obra da criação. É para executá-la que ele toma um aparelho em cada mundo, em harmonia com a sua matéria essencial, a fim de nele cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. E dessa maneira, concorrendo para a obra geral, também progride.


E Kardec aprofunda o tema na questão 167:

  • Qual é a finalidade da reencarnação?


– Expiação, melhoramento progressivo da humanidade. Sem isso, onde estaria a justiça?
Da análise destas questões depreendemos que a questão expiatória só acontece devido à insistência da criatura no erro, assim tem ele na oportunidade reencarnatória a condição de, pela expiação consertar seu caminho quando erra. Sem isso, onde estaria a justiça.


O objetivo básico da encarnação do Espírito, assim, é o seu aperfeiçoamento, em outras palavras realizar a sua evolução. E como ele realiza isto? Realizando a sua parte na obra da criação, isto é, colaborando.
Dissemos ser a compreensão desta questão básica para o espírita, pois ao nosso ver o que distingue o espírita dos cidadãos não espíritas é a capacidade que tem o primeiro de realizar a sua evolução de forma consciente. O espírita não é melhor do que ninguém, entretanto, a Doutrina codificada por Kardec oferece excelentes instrumentos de conscientização para o Ser.
Assim, faz-se necessário saber: por que encarnamos? Ou, o que estamos fazendo aqui?
A resposta é a que foi dada pelos Espíritos, encarnamos para nos aperfeiçoar, para evoluir.
E o que é evoluir?
Ainda segundo os Espíritos, o arcanjo começou por ser átomo[1]. Depreendemos daí que o Espírito inicia sua evolução na matéria; no átomo primitivo há o máximo de matéria e o mínimo de “espiritualidade”. O Fim da evolução é o Espírito puro, onde, se houver matéria é em mínima quantidade, e há espiritualidade em dose máxima[2].
Concluímos assim, que evoluir é espiritualizar, é ser cada vez menos influenciado pela matéria, até o Espírito Puro que não sofre influência desta. (LE Q. 112)
Mais à frente Kardec retoma o tema e pergunta aos Espíritos qual o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem, para lhe servir de guia e modelo?
Ou seja, nesta trajetória evolutiva teríamos um guia para nos orientar e um modelo a seguir, e os Espíritos respondem simplesmente: Jesus
Aqui é preciso compreendermos esta resposta com inteligência, Jesus é o guia e modelo, ou seja, temos que nos orientarmos por Ele e segui-Lo. Não é Ele quem fará por nós, Ele simplesmente aponta o caminho, mostra-nos o como chegar lá.
Ele é o salvador como nos fizeram crer o cristianismo oficial? É, e não é ao mesmo tempo. Ele não é salvador se entendermos que ele realizará a salvação por nós, isso ele não fará; todavia é, na medida em que nos tira da treva iluminando o nosso caminho.
Se tivermos perdidos numa floresta escura sem saber para onde ir, correndo riscos enormes e alguém acender uma luz e nos guiar até o destino desejado com segurança, esse alguém não foi naquele momento o nosso salvador?
Esse é o papel de Jesus, e esta luz é o Evangelho. O Evangelho é sem dúvida alguma o instrumento de maior segurança que tem o Espírito para realizar a sua evolução. Entendamos por Evangelho não o livro simplesmente, mas os ensinamentos de Jesus. Não podemos desprezar o mapa, mas o mais importante é o território; o instrumento é de grande importância, mas não tanto quanto a música.
Portanto, podemos com tranqüilidade dizer é fundamental para todos nós estudarmos o Evangelho, mas principalmente para nós os Espíritas, já que queremos trilhar o caminho da matéria para o Espírito de forma consciente e com menos percalços.

Concluindo podemos dizer que no desejo de responder a primeira pergunta respondemos as duas primeiras.
Estudar o Evangelho porque ele é o roteiro de nossa evolução; e para quê? Para assim fazermos de forma consciente, não mais pelos impactos da vida, nem tampouco por disciplina, mas para atingirmos a condição de fazer o bem com espontaneidade, dentro daquela proposta citada por Paulo: …é Cristo que vive em mim[3]

Neste momento devemos responder à terceira questão:

Como devemos estudar o Evangelho?

Não temos nenhuma receita pronta, mas o estudo e a experiência tem nos levado a propor alguns recursos que podem nos auxiliar:

  • É preciso estarmos isentos de quaisquer preconceitos. E aqui devemos analisar o nosso campo mental e a intimidade de nossos corações.
  • Não estarmos presos a dogmas.
  • Abrirmos mão do interesse pessoal, observar o que o Evangelho quer dizer e não impor o que queremos a ele.
  • Quando possível aumentar o nosso patrimônio cultural principalmente no que diz respeito ao conhecimento dos costumes, tradições, história e geografia relativas ao tempo de Jesus e à Palestina de um modo geral.
  • Sendo necessário interpretarmos o Evangelho à luz da Doutrina Espírita, temos de ter o hábito do estudo constante dos princípios básicos da mesma através das obras básicas e das subsidiárias.
  • Extrair de cada passagem o conteúdo espiritual do Evangelho: Jesus, por ser o Educador Maior da Humanidade, ensinava ao Espírito eterno. Desta forma, temos que ter não apenas olhos para as questões transitórias, mas capacidade de enxergarmos o que verdadeiramente educa o nosso Ser espiritual. …as palavras que eu vos disse são espírito e vida,[4] nos alerta o Cristo, segundo anotações de João; ao que Paulo complementa: O que nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, e o espírito vivifica.[5]

Há ainda três questões importantes que devemos analisar:

  • Intenção
  • Subjetividade
  • Limitação


Intenção: Neste tópico é importante refletirmos, com que intenção nos aproximamos do Evangelho?
Para ilustrar tomemos por símbolo uma árvore.
Uma árvore é sempre uma árvore, porém para alguém que está cansado por uma longa caminhada num dia de sol quente ela pode representar uma oportunidade de descanso e de refresco em sua sombra.
Para um artista é ela objeto de inspiração. Uma criança pode ver nela um excelente lugar para amarrar uma corda e fazer um balanço para brincar, enquanto para um marceneiro ela será de grande utilidade como geradora de matéria prima e oportunidade de trabalho.
O que representa para nós o Evangelho?
Pode ser simplesmente literatura para uns, para outros instrumento de pesquisa histórica, para o religioso comum ponto de apoio para seus dogmas, enquanto outros o verão como instrumento reeducativo e oportunidade de trabalho.
Kardec tratou desta questão em O Evangelho Segundo o Espiritismo:


Podemos dividir as matérias contidas nos Evangelhos em cinco partes: 1) Os atos comuns da vida do Cristo: 2) Os milagres: 3) As profecias: 4) As palavras que serviram para o estabelecimento dos dogmas da Igreja: 5) O ensino moral. Se as quatro primeiras parte têm sido objeto de discussões, a ultima permanece inatacável. Diante desse código divino, a própria incredulidade se curva. É o terreno em que todos os cultos podem encontrar-se, a bandeira sob a qual todos podem abrigar-se, por mais diferentes que sejam as suas crenças. Porque nunca foi objeto de disputas religiosas, sempre e por toda a parte provocadas pelos dogmas. Se o discutissem, as seitas teriam, aliás, encontrado nele a sua própria condenação, porque a maioria delas se apegaram mais a parte mística do que à parte moral, que exige a reforma de cada um. Para os homens, em particular é uma regra de conduta que abrange todas as circunstâncias da vida privada e publica, o principio de todas as relações sociais fundadas na mais rigorosa justiça. É, por fim, e acima de tudo, o caminho infalível da felicidade a conquistar, uma ponta do véu erguida sobre a vida futura. É essa parte que constitui o objeto exclusivo desta obra.[6]


Como notamos Kardec elegeu o ensino moral como a parte prioritária, do mesmo modo assim devemos fazer consoante aquele objetivo já comentado por nós de aperfeiçoamento moral; assim, fomos um pouco além, não só a parte moral, mas faz-se importante evidenciar o campo operacional do Evangelho como instrumento de aperfeiçoamento.
Expliquemos melhor.
É que muitos veem no Evangelho seu conteúdo moral, só que usam isso para corrigir o outro, e não a si mesmo. É preciso compreendermos que o Evangelho é instrumento de educação do Espírito, e educação além de se fazer pelo exemplo, é questão pessoal. Podemos auxiliar no processo do outro, e até devemos assim fazer; mas em verdade, cada um é que educa a si mesmo na medida em que compreendendo o mecanismo busca sua própria iluminação.
Jesus foi claro:

Não vim destruir a Torah ou os profetas, na vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento.[7]

Ou seja, a Torah era uma Revelação, já trazia tudo o que necessitamos, Jesus veio para ensinar-nos a aplicar o conhecimento em favor de nossa efetiva libertação.
O desafio com Jesus ultrapassa a questão do conhecer, passa a ser realizar.
Subjetividade: Este é um tema de fundamental importância. O item anterior mostrou-nos que devemos ser objetivos ao nos aproximar do Evangelho e buscar a sua vivência. Neste vamos buscar compreender todo alcance do mesmo.
Jesus é um Espírito de grande evolução, é preciso termos a certeza disto. A doutrina espírita através das informações trazidas por Léon Denis, Emmanuel, Joana De Ângelis, entre outros, nos mostra que Ele é o Guia Espiritual da Terra, é o Construtor do Orbe.
Depreendemos disto que há cinco bilhões de anos aproximadamente Ela já era um Cristo, um Espírito Puro. E nós, o que éramos há cinco bilhões de anos atrás?
Portanto, a distância espiritual que nos separa Dele é incomensurável. Não temos a mínima capacidade de compreender o seu estado mental nem a sua possibilidade.
Assim, quando Ele veio até nós com o objetivo de educar-nos o Espírito Ele teve que adequar a sua mensagem, caso contrário nós não o compreenderíamos.
Como a sua proposta é universal e são inúmeros os estágios evolutivos dos Espíritos que habitam nosso planeta, ele teve que dizer de tal modo que, desde os mais imaturos até os mais capacitados de compreensão pudessem entendê-lo.
Assim, seus ensinamentos dizem mais do que podemos supor num primeiro contato com eles. Há uma mensagem clara e há também ensinamentos nas entrelinhas, de tal modo que todos possam se beneficiar com suas lições, independentes da condição evolutiva de cada um.
Portanto, ao estudarmos uma passagem evangélica é preciso estarmos atentos para perceber o que o Evangelho quer nos trazer, é preciso termos habilidade para enxergarmos o invisível aos olhos, trabalharmos o plano da subjetividade, as entrelinhas, dentro de linguagem habitualmente usada, tirar o espírito da letra.
Dizemos assim, porque é muito comum nos aproximarmos do Evangelho não para perceber o que ele tem a nos trazer, mas para tentar justificar um posicionamento nosso. Fazendo assim, fechamos a porta de nosso entendimento e perdemos uma grande oportunidade de aprendizado.
Resumindo, é o Evangelho que tem de nos ensinar algo novo, e não nós que devemos agregar a ele os nossos interesses e nosso pouco entendimento.
Para facilitar a compreensão de como operacionalizar este estudo e consequentemente tirar melhor proveito de seus ensinamentos, aprendemos com amigos que nos antecederam no estudo deste Tratado de Reeducação que respondendo algumas perguntas buscando evidenciar a proposta individual de transformação moral, teríamos assim maior sucesso na interpretação e na compreensão da subjetividade das lições.
Assim, ao estudarmos o ambiente ou o local onde as passagens aconteceram, perguntamos, onde? E notamos que tais perquirições nos oportunizam grandes ensinamentos.
Jesus iniciou seus trabalhos na Galiléia (simplicidade), ali arregimentou seus discípulos. Caminhou para Jerusalém (espiritualidade), viu necessidade de voltar para a Galiléia (simplicidade, campo operacional) e escolheu passar pela Samaria (conflitos; nestes a oportunidade de fixação dos valores trabalhados em Jerusalém).
O momento da ação leva-nos a trabalhar outra pergunta que muito pode auxiliar-nos a evidenciar nossa necessidade de novas atitudes na esfera de uma moral mais elevada. Assim perguntamos quando?
Nicodemos procurou o Messias à noite. Por quê? Tem-se tentado dar várias respostas a esta pergunta, muitas podem existir, todavia como nosso objetivo é a reeducação da alma, aprendemos que Jesus é a luz do mundo, quando precisamos de luz? Quando estamos em trevas (noite).
Ao contrário, os grandes eventos realizados por Jesus foram durante o dia, por quê? Porque é quando estamos iluminados que devemos operar em favor do bem.
Convém que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar.[8]
A análise dos personagens do Evangelho podem muito contribuir em nossa edificação, assim perguntamos, quem?
Jesus em várias oportunidades escolheu três discípulos para através deles nos deixar grandes lições: Tiago, filho de Zebedeu, João seu irmão e Pedro. Por que assim fez o Mestre, por que gostava mais destes? Não, porque assim ensinava-nos algo.
Tiago representa para nós a capacidade de testemunho, foi o primeiro a ser sacrificado por servir ao Evangelho. Pedro era a firmeza em pessoa - tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja[9]. João representa em nossa análise o sentimento sublimado, o amor. Muitos ainda não compreenderam porque ele era considerado o discípulo amado se Jesus não tinha preferências. Se esquecem estes que do que damos recebemos, se João se sentia o mais amado era porque naturalmente mais amava.


Assim temos três componentes básicos para operarmos em nome de Jesus:

  • Capacidade de Testemunho
  • Firmeza, decisão, prontidão.
  • Amor

Outro fator que muito pode nos auxiliar na proposta reeducativa do Evangelho é a análise das ações em si. Assim perguntamos como?
Zaqueau é um personagem típico para esta análise se aprofundarmos “como” se deu a sua conversão.
Ele entendeu que Jesus era a sua salvação, o fim de todas as suas angústias. Deste modo quis ver Jesus, queria mais, estar com Ele. Mas onde Jesus ia a multidão o acompanhava, ele era de baixa estatura (pequeno, pouca evolução), como Jesus iria vê-lo? Como destacar? Assim, ele correndo adiante, subiu a um sicômoro[10]
Correndo – dinamismo, decisão rápida; tem que fazer o bem, que se faça logo.
Adiante – para a frente. Jesus era importante para ele, estava à sua frente.
Subiu – se elevou, representando nossa necessidade de elevação espiritual para vermos Jesus e merecermos ser por ele notado.

Porém, para ficar com Jesus, para que o Mestre estivesse em sua casa [íntima], teve que descer (cf. Lc, 19: 5), isto é, operar na faixa dos que estavam abaixo [necessitados], e assim fez alegremente (Lc, 19: 6).
Há inúmeras outras passagens que poderiam nos servir de exemplos, como há também outros modos de descobrir na subjetividade do Evangelho nosso plano objetivo de realizações.
Nosso terceiro item é:
Limitação: Este quesito diz respeito não ao Evangelho, mas à nossa limitação de compreendê-lo.
Uma das virtudes mais importantes para se trabalhar quando do estudo do Evangelho é a humildade. É preciso termos a compreensão de nossa pequenez em relação à grandeza da proposta da Vida para cada um de nós.
Por mais que estudemos, por mais que avencemos em entendimento ainda somos bastante limitados e é aí que entra a importância de se estudar o Evangelho em grupo.
O grupo tem papel fundamental para o bom desenvolvimento do trabalho. Em primeiro lugar porque um dos principais objetivos da Boa Nova de Jesus é nos capacitar para uma proposta de colaboração. Esta é a dinâmica da vida, e nada melhor do que um grupo para alargar esta nossa possibilidade. A convivência é um excelente instrumento de didática.
Além deste objetivo, as pessoas nos completam, veem pontos que para nós ainda são obscuros. Outras vezes temos visões deturpadas, nossas experiências de vida podem contribuir positivamente, mas também negativamente nos obstaculizando um melhor entendimento de determinada passagem. O grupo ao mesmo tempo que abre as possibilidades de entendimento também nos limita em nossas vaidades e tendências ao interesse pessoal, corrige distorções.
Assim, é preciso que as Casas Espíritas formem grupos de estudo do Evangelho, pequenos que sejam, mas grandes em possibilidades pelo desejo de aprender para melhor servir em nome do Cristo.
Damos assim por concluída, pelo menos por enquanto, aquela oportunidade de responder às três perguntas, que de tão importantes, vamos repetir:

  • Por que estudar o Evangelho?
  • Para quê?
  • Como?

    [1] Cf. O Livro dos Espíritos questão 540
    [2] Cf. Op. cit. Questão 82: É certo dizer que os Espíritos são imateriais? (…) Imaterial não é o termo apropriado; incorpóreo, seria mais exato.
    [3] Gálatas, 2: 20
    [4] João, 6: 63
    [5] II Cor., 3: 6
    [6] O Evangelho Segundo o Espiritismo, Introdução.
    [7] Mateus, 5: 17
    [8] João, 9: 4
    [9] Mateus, 16: 18
    [10] Lucas, 19: 4