Ainda sobre o tema fé
e da forma como Deus prepara o Espírito para realizar a Sua Vontade,
não podemos deixar de analisar a passagem da fuga da família do
Messias para o Egito.
Muitas vezes diante de
uma grande dificuldade optamos por nos afastar do cumprimento de uma
tarefa que até então pensávamos em realizar em favor do Bem. Ainda
chegamos a dizer desafiando o Criador: “Se Deus quisesse que eu
realizasse tal trabalho não me dificultaria tanto a realização,
acho que estes empecilhos são os avisos Dele para me mostrar que
essa não é a minha missão”.
Como somos ignorantes e
comodistas…
Já pensou se José e
Maria pensassem desta forma? “Se Jesus fosse mesmo o Messias, por
que tanta dificuldade? Por que deixar nossa zona de conforto e ir
para um país desconhecido? Por que sermos tão pobres?”
Desculpas é que não
faltariam para o abandono da missão. Em nossa vida temos aprendido
que o hábito de dar desculpas é um de nossos maiores vícios e um
dos que mais nos atrasam no processo de realizar o Bem em nós.
Fato semelhante ao
acontecido com os pais de Jesus se deu com Abraão. Deus prometeu a
ele uma grande benção, uma posteridade maravilhosa. Mas para isso
ele tinha que deixar a sua terra, a sua parentela, a casa de seu pai.
E ir para onde? Deus não o revelou, ele ainda ia mostrar, no futuro.
[Vai] para terra que te mostrarei1,
ou seja, ele tinha que sair da faixa de sua segurança e ir, porém,
para um lugar que nem ele sabia qual era. Era necessário uma
confiança total no Senhor, ser Dele dependente. Nós temos que
aprender a ser dependentes de Deus com naturalidade e sem conflitos
íntimos.
Hoje dizemos que
estamos a serviço do Cristo e de seu Evangelho. Às vezes somos
convidados, por exemplo, para fazer uma palestra em cidade distante,
e até aceitamos. Porém, para que isto se dê exigimos saber, onde
será o evento? Para quantas pessoas vamos falar? Lá vai ter como
projetar nossos slides? Vão pagar meu transporte? E a alimentação
como será? Onde vou dormir? E se tudo não estiver certinho como
desejamos, totalmente seguros, não vamos.
Já pensou se um
Espírito aparecesse para nós e dissesse: “Sou um mensageiro do
Cristo, é preciso que você saia hoje e vá fazer uma visita a uma
pessoa que te indicarei, num determinado hospital que vou te falar na
hora certa, você irá dar nela um passe e melhorar a sua situação.
Porém, sai de casa agora e vá, depois te falo para onde e como.”
O mínimo que aconteceria é que nós não iríamos, e ainda
tentaríamos saber o nome da Entidade para levar para um reunião de
desobsessão, pois batizaríamos o enviado do Senhor como obsessor.
Fato também semelhante
aconteceu com Estevão quando ele ainda chamava Jeziel.
Estevão tinha uma
grande missão, despertar Saulo para o Evangelho do Cristo. Emmanuel
chega a dizer que sem Estevão não teríamos Paulo de Tarso2.
Porém, para que isto acontecesse aconteceu algo inusitado.
Ele era uma pessoa
simples, mas tinha uma família harmonizada e pautava sua vida na
vivência das Escrituras. Não vamos aqui contar sua história, pois
não é objetivo deste trabalho, mas Deus, para o chamar para sua
missão, tirou-lhe tudo que possuía de mais sagrado: a casa paterna,
a vida do pai, a companhia da irmã querida que nem sabia para onde
teria ido. Para ele fora destinado o cativeiro nas galeras, o que era
quase certo, a morte.
Entretanto, seu bom
comportamento o salvou e a generosidade de um ilustre cidadão romano
permitiu que, apesar de doente, pudesse novamente ser livre. Este
mesmo cidadão deu-lhe até mesmo alguns recursos amoedados com o
objetivo de suprir suas primeiras necessidades em novas terras.
Todavia, mais uma vez surge um imprevisto, ele é assaltado,
malfeitores roubam lhe todos estes recursos, e ele fica só, doente,
e sem nada para iniciar a grande missão de salvar não apenas uma
alma, mas de despertar e guiar alguém que libertaria o Evangelho do
jugo do judaísmo permitindo que gerações futuras conhecessem Jesus
em toda sua simplicidade, com profundidade, e liberdade.
Por que casos assim,
como o de Maria e José, de Abraão, de Estevão, entre outros, se
dão? Não sabemos ao certo, Deus tem, ainda para nós, seus
mistérios. Talvez este seja o alimento da fé e o que fará com que
ela cresça ainda mais. O certo é que há aí uma mensagem. Quando
algo de inesperado nos acontecer, algo que for capaz de nos
perturbar, de tirar o próprio piso e nos projetar numa situação de
desconserto total, não nos desesperemos. Talvez o Pai Criador esteja
se manifestando e dizendo para nós que tem uma grande missão onde
podemos servi-Lo. Mas para tal é preciso confiar, agir consoante Sua
Vontade, resignando-se, perdoando sempre, amando irrestritamente.
Deus tem para nós uma
benção, uma posteridade gloriosa, uma missão ímpar. Tomemos posse
do que Ele nos delega e seremos felizes para sempre.
Maria assim fez,
desafiou a imprevisibilidade, correu riscos, sua vida foi
impermanente, mas nem por isso tornou-se depressiva, angustiada,
amargurada…
Outra passagem que é
importante considerar na busca de elementos que venham nos auxiliar
em nosso processo reeducativo é aquela que nos fala de Jesus aos
doze anos no templo entre os doutores da lei.
Era habitual que todo
judeu seguidor dos preceitos fosse à Jerusalém quando da realização
da festa da Páscoa. Assim foram Maria e José, e Jesus com eles,
pois já havia completado doze anos.
Como muitos iam para
esta festa eles foram em caravanas, muitos parentes e conhecidos
também foram.
Terminada a festa eles
retornaram; após caminharem por um dia os pais de Jesus perceberam a
falta dele, procuraram-no entre aqueles que viajavam junto e não o
encontraram. Retornaram então a Jerusalém continuando a busca, só
três dias depois o encontram no Templo em conversa com os doutores.
Nosso objetivo aqui não
é estudar minuciosamente esta passagem, mas o posicionamento de
Maria diante da tarefa educacional de seu filho.
Percebemos pela
narrativa de Lucas que ela não era controladora, nem proibitiva,
Jesus tinha liberdade para ir junto de seus amigos e familiares e
seus pais não ficavam ali em cima, querendo saber a toda hora o que
estava fazendo; entretanto, ela não era também permissiva, ao notar
o afastamento do filho por tempo maior do que aquele que era natural,
se incomodou e foi atrás dele.
Nós muitas vezes somos
possessivos por demais, exageramos no controle, não deixamos nossos
filhos, cônjuges ou amigos, à vontade, queremos que tudo seja feito
conforme nossa determinação, passo a passo. Ou então, com a
desculpa da liberdade desejada, somos negligentes, o que é ainda
pior; os filhos passam uma semana sem falar conosco e tudo bem,
convivem com amigos que não procuramos saber quem são, viajam com
eles, e só ficamos sabendo quando voltam, às vezes dias depois.
Jesus é encontrado no
Templo assentado entre os doutores, o que denota por parte
dele tranquilidade e a consciência de que não estava fazendo nada
de errado e nem contrário às determinações paternas.
Se tal acontecesse
conosco é quase certo que o pegássemos pela orelha, gritando,
gesticulando, dando o maior show, exteriorizando todo desequilíbrio
que nos é peculiar. Maria simplesmente diz: meu filho, porque
agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos, te
procurávamos3.
Quem de nós num
momento deste, que para nós não seria simplesmente de aflição,
mas de desespero mesmo, trata o filho por meu filho? Este modo
carinhoso de chamar nós só usamos quando está tudo bem, na
tranquilidade, ou quando queremos chantageá-lo. Quando os filhos nos
irritam ou desobedecem, usamos o nome completo, com sobrenome e tudo.
Maria não mostrou
irritação, mas cuidado, carinho, atenção; ela se preocupava era
com o filho e não com uma suposta desobediência dele.
Ele por sua vez encarou
tudo com naturalidade e mostrou que era excelente em didática desde
pequeno, pois respondeu perguntando, levando seus pais a pensarem:
por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de
meu Pai?4
Ao dizer assim Jesus
chamou seu pais para o que era real do ponto de vista de sua missão,
pelo tom da pergunta podemos depreender que eles conversavam em casa
sobre este assunto, sobre a oportunidade dele ser um enviado em nome
de Deus. Provavelmente seus pais, apesar do grau de consciência
acima da média, no calor das emoções tenham se esquecido disto.
Isso é natural, quando o Espírito que não se libertou
completamente da matéria encarna, ele perde muito de sua
potencialidade, torna-se vulnerável com certa facilidade, é preciso
que de vez em quando seja lembrado da realidade maior. Podemos ver
ainda neste pequeno diálogo que a proposta educativa de José e
Maria passava pelo diálogo, a informação transitava em mão dupla,
havia o aprendizado de ambas as partes, autoridade e não
autoritarismo. Eles às vezes não compreendiam a superioridade do
menino, mas respeitavam-na, pois sentiam no coração a grandeza
daquela alma. Educavam educando-se, não tinham a pretensão de estar
com a razão, Jesus devia surpreendê-los a toda hora, nestes
momentos não atrapalhando já faziam muito.
O texto de Lucas na
sequência é simplesmente maravilhoso: desceu então com eles
para Nazaré e era-lhes submisso5.
Jesus, o
Plenipotenciário Divino, o Governador Espiritual do Orbe, era
submisso a seus pais mesmo sabendo-se superior a eles, é mais
um exemplo de humildade, de respeito aos fatores humanos, quanta
lição… Maria por sua vez não conseguia compreender tudo isto,
era inexplicável, estava além do racional, assim, conservava a
lembrança de todos esses fatos em seu coração6,
ela se enriquecia em espírito, cultivava sua intuição, bem
aventurados os pobres de espírito…7
e Ele, Jesus, obedecendo, colaborando sempre, crescia em
sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e diante dos
homens8,
servindo a seu Pai, no serviço em favor de seus irmãos.
1
Gênesis, 12: 1
2
(XAVIER/Emmanuel [Espírito], 2004), prefácio.
3
Lucas, 2: 48
4
Lucas, 2: 49
5
Lucas, 2: 51
6
Idem, ibidem.
7
Mateus, 5: 3
8
Lucas, 2: 52
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