terça-feira, novembro 16, 2010

Fé e Obras


(Retirado do Livro "Carta de Tiago" a publicar)
Meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas não tem obras, que aproveitará isso? Acaso a fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhe disser: " Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos", e não lhes der o necessário para a sua manutenção, que proveito haverá nisso? Assim também a fé, se não tiver obras, está morta em seu isolamento.
De fato, alguém poderá objetar-lhe: " Tu tens fé e eu tenho obras. Mostra-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a fé pelas minhas obras. (Tiago, 2: 14 a 18)
Meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas não tem obras, que aproveitará isso? Acaso a fé poderá salvá-lo?
A partir deste versículo até o final deste capítulo Tiago irá expor alguns conceitos a respeito de fé e obras.
Alguns estudiosos têm visto neste passo divergências entre os ensinamentos de Tiago e de Paulo, outros, ainda mais disseminadores da discordância entre os apóstolos têm dito que Tiago escreveu estas linhas para refutar as anotações de Paulo sobre a fé, principalmente as que expôs na carta aos romanos.
Não temos a erudição destes estudiosos, porém, além de analisar como temos feito em relação aos outros textos tentaremos mostrar o contrário, ou seja, que existem muito mais concordâncias de Tiago com Paulo do que discordâncias; discordâncias estas que se bem analisadas talvez nem existam.
Meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas não tem obras, que aproveitará isso? Aqui surgem as possíveis primeiras divergências.
Tiago afirma claramente que não há proveito em uma fé sem obras, e Paulo teria afirmado que é a fé mais importante.
Em primeiro lugar é preciso tentar descobrir o que cada um deles entendia por fé e por obras. E mais, será que temos a possibilidade de julgar alguém no que diz respeito às obras que realiza em sua intimidade pelo simples fato de ter fé?
Ampliemos estas colocações. Tiago, como temos repetido, estava a falar em primeiro lugar para cristãos vindos do judaísmo, elementos que traziam em seu inconsciente a necessidade da prática religiosa através da observância de atitudes exteriores. A manifestação de fé destes não levava em conta as atitudes em coerência com o que pregavam nas reuniões para estudo das Escrituras. A nova doutrina nascente, a partir dos ensinamentos de Jesus, ensinava totalmente o oposto, ou seja, as atitudes exteriores pouca valia têm, o que importa é o sentimento que vai ao coração e a aplicabilidade dos ensinos cultuados no plano intelectivo. Desta forma ele escreve: Meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas não tem obras, que aproveitará isso?
Este alerta do evangelista é extremamente atual. Vivemos um momento de crescimento das propostas religiosas e de grande expansão do próprio cristianismo. As correntes espiritualistas se ampliam através de divulgação em massa neste nosso mundo hoje globalizado.
Mas de que adianta tudo isso se a criatura que é o objetivo de maior cuidado do próprio Cristo, não implementa em si estes valores renovados e não melhora o nível de seus sentimentos? O Evangelho não pode ser ponto de discórdia entre seitas diferentes, mas antes ponto de união entre seus divergentes seguidores.
Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros. Não foi isso o que ensinou Jesus?
É como se dissesse, a verdadeira obra é a da transformação da criatura em Homem de Bem.
Dizem os estudiosos que Paulo prioriza a fé em detrimento das obras. Será isto verdade ou está havendo uma má compreensão do que disse este valioso apóstolo?
Será que houve algum elemento nestes dois primeiros milênios de cristianismo que tenha tido obras tão valiosas quanto o convertido de Damasco? Têm-se chegado à conclusão que se não fosse o apóstolo Paulo, nós hoje não estaríamos aqui num estudo tão amplo de divulgação do Evangelho. Na melhor das hipóteses teríamos que ter tido outro "vaso escolhido" para realizar o que ele fez. Não foi a sua obra, então, maravilhosa, e coroada de frutos dignos de sua grande missão?
É o próprio Paulo quem afirma de modo explícito sobre o juízo de Deus e na mesma epístola aos romanos:
…o qual recompensará cada um segundo as suas obras.
Não tem ressonância com o que diz Tiago?
Mas este não é o ponto, poderão dizer alguns. Paulo também é claro quando expressa também em Romanos, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei.
Prestemos atenção, as Escrituras jamais podem se contradizerem em pontos fundamentais. Se em algum passo assim acharmos que isto ocorreu, avaliemos nossa interpretação, pode ser que o engano esteja aí.
É diferente quando Paulo fala em obras como exteriorização que a criatura faz dos ensinos do Cristo e de quando ele fala em obras da lei se referindo a uma manifestação legalista comum no judaísmo daquele tempo.
Obras da lei significam ações fundamentadas em impositivos marcados por observâncias de atitudes exteriores, o que ele condena e ao que tudo indica, Tiago compreendeu no fim de sua vida missionária.
É como se Paulo fizesse uma diferença entre obras da fé significando a atitude implementada pela transformação íntima realizada pela criatura que aderiu à proposta do Cristo, e obras da lei significando uma atitude impositiva da ortodoxia religiosa.
Neste ponto podemos responder à pergunta que nós mesmos fizemos no início destas considerações:
Será que temos a possibilidade de julgar alguém no que diz respeito às obras que realiza em sua intimidade pelo simples fato de ter fé?
Sabemos que a evolução da consciência se realiza aos poucos, gradualmente, no âmbito de muitas encarnações.
Muitas vezes alguém que hoje, por invigilância, julgamos como sem obras dignas da fé que esposa, é um elemento que traz em si complicações de vulto na área da sexualidade, das drogas, ou mesmo da criminalidade. Hoje este elemento estando ajustado a uma fé, mesmo que contraditória, está desativando componentes de grande importância em seu psiquismo e se preparando para num próximo instante, mais oportuno, realizar transformações de base.
Não podemos qualificar esta transformação que opera silenciosamente na intimidade da criatura, como sendo uma boa obra no campo da fé? Não terá ela ótimas implicações no desenvolvimento de sua evolução?
É preciso compreender a necessidade de termos paciência quando o assunto é educação do Espírito para Deus. O bom educador jamais pode ter ansiedade em relação ao seu educando, o aperfeiçoamento é fruto dos séculos.
Concluindo cremos ser certo afirmar que fé e obras são temas a serem trabalhados com muito cuidado e que um não pode ser dissociado do outro. Tiago expôs de um ponto de vista essencial; Paulo, outro não menos importante. Onde a divergência?
Se um irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a subsistência de cada dia…
A atividade cristã deve primar pelo ensinamento de amor deixado pelo Mestre.
Como compreender este amor? Tiago alerta-nos para a necessidade de atender o semelhante naquilo que ele necessita. O próprio Jesus já definira:
Dá a quem te pedir
Isto, no entanto, é muito amplo, daí a necessidade de estabelecermos prioridades. Qual a necessidade mais imediata daquele grupo por quem somos responsáveis?
Os Espíritos nos informando sobre a importância do espiritismo como filosofia a estabelecer um novo paradigma no que diz respeito ao comportamento do seu seguidor, isto tudo dentro da possibilidade dela – a revelação espírita – ser uma volta ao cristianismo da era apostolar, intuíram Kardec a dizer:
Fora da caridade não há salvação…
Como uma ampliação do que já haviam dito na obra básica:
Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus? "Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas."
Dito isto, notamos aqui a harmonia existente entre a proposta kardequiana e a mensagem de Jesus tão bem divulgada por seus primeiros seguidores, a despeito daqueles que não qualificam o espiritismo como filosofia cristã.
A religião pura e sem mácula conforme as palavras do próprio autor desta carta no final do primeiro capítulo, não é aquela que ensina seus seguidores a adoção de práticas exteriores, mas a que leva estes a aderirem em espírito e verdade, aos ensinamentos de seu revelador implementando em si a ética que surge com a prática destes.
…e alguém dentre vós lhe disser: " Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos", e não lhes der o necessário para a sua manutenção, que proveito haverá nisso?
…e alguém dentre vós lhe disser; esta expressão define a atenção que devemos ter no que dizemos. A invigilância que às vezes temos com o nosso verbo muitas vezes destrói conquistas que demoramos tempos em realizar como fruto de muito esforço.
Cremos que mais uma vez a repetição não se faz vã. A atitude é que é o fator essencial a definir o nosso comportamento essencial em matéria de religiosidade.
"Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos". Desejar a paz do outro, o seu bem, é atitude nobre. Porém, aqui, o autor da carta nos orienta a refletirmos no "como" temos realizado este desejo. Será que temos pensado mesmo neste bem estar de nosso semelhante? Ou quando demonstramos este sentimento temos preocupado em primeiro lugar com o atendimento aos nossos próprios desejos?
A expressão que fica subtendida quando assim fazemos é: "ide em paz… e me deixe em paz". Como se nos livrarmos daquele incômodo fosse para nós o mais importante.
E note-se que o apóstolo, pelo seu próprio amadurecimento devido ao trabalho incessante na caridade, amplia o bem estar do semelhante quando mostra que devemos preocupar de uma forma completa com ele conforme expressa os verbos aquecei-vos e saciai-vos. Mostrando-nos que sabemos da importância de outros fatores no atendimento ao semelhante como o reconforto que a ele devemos oferecer e o suprir de suas primeiras necessidades.
Todavia será esta uma atitude falsa, ou que pouco efeito terá se não lhes der o necessário para a sua manutenção.
E nesse ponto devemos ampliar a compreensão. O que representa este necessário para a manutenção?
É bem lógico que Tiago falasse das primeiras necessidades do indivíduo em relação à manutenção física. Pois havia àquele tempo uma distinção muito severa entre as classes, o que hoje ainda existe, mas em proporção menor. Assim é de bom senso realizar o questionamento que citamos anteriormente: Qual a necessidade mais imediata daquele grupo por quem somos responsáveis?
Porém na prática cristã a que hoje estamos ajustados não podemos para por aí, lembremos que a orientação do Senhor é para que "caminhemos a segunda milha".
Já expusemos alhures, que a Vida em sua expressão de manifestação divina é muito apropriadamente um processo de educação do Ser criado para integração deste em Deus.
Até a vinda de Jesus, e que em nossa intimidade pode representar a vinda do Cristo em nós, este processo educativo fala mais diretamente ao homem biológico. Há a necessidade prioritária de comer, beber, vestir; de manter-se de um modo geral. O advento da Boa Nova marca uma nova fase, a da construção, ou da reeducação, do homem espiritual já em bases mais amplas dentro de uma nova conceituação, onde os valores do Ser imortal são os prioritários.
Este processo pedagógico tem que levar em conta o que fomos, como estamos, mas principalmente no que deveremos nos tornar a partir de então. Hoje é muito usado o termo "educação continuada", e aqui esta expressão cai bem, pois o processo é contínuo objetivando uma evolução cada vez mais dinâmica.
Fundamentado nesta visão ampla da vida é que o cristão, tão bem representado pelo espírita que compreendeu a necessidade de adequação à proposta evangélica, deve preocupar-se em relação à caridade. Ao que é necessário não só para a manutenção do homem, conforme expressa o texto original de Tiago, mas também para efetiva educação do Ser integral, onde vida física e vida espiritual, passado, presente e futuro, se conjugam num só plano de existência.
Se nos mantermos fixados a uma só abordagem, aos interesses só do homem biológico, que proveito haverá nisso? Todo materialista que se preze, mesmo travestido de bom religioso, não é isso que faz rotineiramente?
Assim também a fé, se não tiver obras, está morta em seu isolamento.
Assim; conjunção conclusiva que liga esta oração à anterior. Portanto, o que aqui está exposto é uma continuidade do que estava sendo colocado.
Faz-se importante recapitular que as considerações iniciais de Tiago que deram origem a esta abordagem sobre a relação fé e obras diziam respeito a como deve ser a prática religiosa autêntica. Aqui ele continua no mesmo diapasão. então tem o sentido de crença religiosa. E neste caso estando ela dissociada das obras, que representam o plano operacional da fé, não atinge o seu objetivo.
Vejamos que em versículo já comentado, a palavra fé, dita pelo mesmo missivista, tem outra conotação:
Não escolheu Deus os pobres em bens deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam?
Obras, que como já dissemos representa o plano aplicativo da fé; são dentro deste contexto atitudes coerentes com o que se crê.
Na própria religião judaica as obras tinham grande significação. Dentro do judaísmo tornar-se justo era o mesmo que ser praticante de boas obras; as mais importantes eram dar esmola, a oração, e o jejum.
Vejamos que Jesus já tocara nestes três pontos conforme as anotações de Mateus. (Cf. Mateus, cap. 6)
Assim, não era novidade para eles o que Tiago estava a dizer, porém, é preciso que sejamos sempre lembrados, pois ainda temos a facilidade de esquecer o que não implementamos em nosso íntimo como conquista.
Sem querer retornar ao assunto, pois já nos fizemos claros nos comentários anteriores, só para que fique patente este ponto de vista, é diferente de quando Paulo falava na relação fé e obras, sendo a primeira o sentimento interior da criatura que a leva à transformação moral e obras em se referindo a obras humanas que mais diziam respeito às aparências.
Portanto, a fé tem de ser complementada pelas obras, e as obras têm que ter fundamentação na fé para que possam ser validadas pela consciência em sua trajetória para a Unidade Divina.
…eu te mostrarei a fé pelas minhas obras. É o que dirá o apóstolo no próximo versículo.
E o Cristo disse:
Quem me vê a mim vê o Pai…
…o Pai, que está em mim, é quem faz as obras.
A expressão está morta em seu isolamento, é importante para confirmar a complementaridade de uma em relação à outra, e também a definir o caráter dinâmico e coletivo da Criação Universal.
Tudo está interligado, nada existe que esteja isolado na obra de Deus. Vida, que é um dom divino, é sempre uma somatória de muitos fatores, morte, que é oposição, se dá pela inércia, pela desagregação, pelo isolamento.
Assim, quando qualquer atitude nossa esteja dissociada do interesse comum, ou sendo mais claro, atendendo somente ao interesse pessoal, esta obra está fadada a morrer em seu isolamento.
O sangue tem de circular, a moeda do mesmo modo. Água parada vira lodo, e a nossa fé, ou mesmo as nossas ações?
Se não tiverem em conexão com o Dinamismo Universal, que é amor, estarão mortas em seu isolamento.
Eu sou a videira, vós, as varas; quem está em mim, e eu nele, este dá muito fruto, porque sem mim nada podereis fazer.
De fato, alguém poderá objetar-lhe: " Tu tens fé e eu tenho obras. Mostra-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a fé pelas minhas obras.
De fato, alguém poderá objetar-lhe; Tiago dizia isto aos interlocutores dos versículos anteriores, o 14 e o 16 deste capítulo. Porém esta é uma atitude natural no mundo dual em que vivemos, sempre alguém tem algo a dizer contrariando as nossas propostas, por melhor sejam elas.
Isto é bom quando o nosso objetivo é reeducativo, pois nos deixa sempre alerta, entretanto, nem sempre podemos dar ouvido às objeções já que muitas vezes elas vêm com o único propósito de desestabilizar nosso encaminhamento ao bem.
Assim, é preciso estar seguros de realizarmos o melhor e tranqüilos em matéria de harmonia consciencial, pois se assim fizermos que nos tirará a tranquilidade?
"Tu tens fé e eu tenho obras…"; o pior da contradita é quando somos pegos em contradição ou realmente no engano que nos afasta ainda mais do objeto de nossa existência que é a harmonização com a Lei do Eterno.
Dissemos pior pelo motivo de que quando isto se dá será necessário o esforço corretivo que é sempre mais doloroso que caminhar dentro da ordem natural. Porém, se houve o erro o chamamento de atenção é sempre benéfico, mesmo que ainda não muito bem aceito pela nossa psicologia comodista.
Quando alguém nos interpõe com uma corrigenda justa, não nos revoltemos, o que aliás tem sido a nossa histórica conduta, pois a rebeldia é um dos sentimentos que mais atrasa a escalada evolutiva do Ser que transita para Glória Divina. É muito comum vermos nas obras que retratam com fidelidade a vida no Domínio Espiritual, algozes em ajustamento em melhores condições do que suas vítimas que não perdoaram e que insistem em permanecer em projeções mentais de conflito. Bem aventurados os pacificadores, disse o Sábio dos sábios, não é pacificar aceitar com humildade o erro e exemplificar a correção do mesmo?
Mostra-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a fé pelas minhas obras. Não poderia ser mais claro o evangelista nesta colocação. E quando a argumentação se fundamenta na lógica, no bom senso e na razão, por que insistir em fazer oposição?
Insistimos nestas observações porque este tem sido um de nossos maiores erros, a rebeldia. Na maioria das vezes somos como aquele elemento que sofre horrores tentando empurrar uma porta, fazendo grandes esforços neste sentido e não obtendo sucesso, quando uma sinalização na mesma já lhe apontara o caminho: "puxe".
Parece engraçado, mas essa tem sido a nossa triste trajetória evolucional.
Ansiamos em subir, mas não abrimos mão das gorduras que nos prendem ao solo; temos por meta a espiritualidade, porém nos esforçamos muito mais pelas conquistas transitórias; a porta estreita é nossa recomendação aos amigos, todavia, será que a adentraremos carregando tudo que insistimos em não abrir mão?
Louco, esta noite te pedirão a tua alma, e o que tens preparado para quem será?
"Mostra-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a fé pelas minhas obras"

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